IMITAÇÃO
DA VIDA (1959)
O melodrama, muito ao
contrário do que muitos possam pensar, é um género literário, teatral,
operático ou cinematográfico com uma poderosa herança e um historial artístico
de altíssima qualidade. Deixando as outras artes descansadas por agora, e
atendendo-nos apenas ao campo do cinema, o melodrama inicia-se logo desde os
alvores do cinematógrafo (há lá melodrama mais belo que “O Lírio Quebrado”, de
David W. Griffith, ainda nos tempos do mudo, para só citar um título deste
autor?) até ao presente. Muitos são os autores, nos quatro cantos do mundo, que
cultivaram este género, com resultados brilhantes, desde os norte-americanos,
onde é difícil destacar somente alguns nomes, mas onde é possível afirmar que
Douglas Sirk está entre os maiores, até ao Japão de Mizoguchi, à Coreia do Sul,
de Wong Kar-Wai, passando por toda a Europa, dos mestres do neo-realismo até ao
“Cinema Paraíso”, do “Breve Encontro”, de David Lean ao alemão Fassbinder, do
dinamarquês Lars von Trier ao espanhol Almodóvar, viajando pela América Latina,
desde os produtos mais populares da Argentina e do México, até aos mais
sofisticados, o melodrama está um pouco por todo o lado e ao longo de toda a
história do cinema.
Hans Detlef Sierck, nascido
em Hamburgo, na Alemanha, de pais dinamarqueses, é um cineasta de uma cultura
profunda, que passou pelo estudo do Direito, da História de Arte, da Filosofia,
do Teatro, tendo privado com alguns dos nomes maiores da cena alemã, entre os
quais Brecht. Mas seria na América, depois de exilado, já sob o nome de Douglas
Sirk, que iria adquirir a reputação de que hoje goza, como o mestre do
melodrama, quando, a partir de 1952 até 1959, assina um conjunto de obras
melodramáticas, para a Universal Pictures, que muitos cnsideram obras-primas do
género: “Magnificent Obsession”, “All That Heaven Allows”, “There's Always
Tomorrow”, “Written on the Wind”, “Battle Hymn”, “Interlude”, “The Tarnished
Angels”, “A Time to Love and a Time to Die” e “Imitation of Life”, sua despedida em beleza de Hollywood.
“Imitação da Vida” tem
todos os condimentos essenciais à visão de Sirk: uma obra de sentimentos
extremados, que por vezes roça a ironia fina, onde se opõem gerações (mães e
filhas, neste caso), raças (brancos e negros), classes sociais (abastados e necessitados),
cores (garridas e matizadas), estações do ano (o Verão no início, o Inverno a
fechar), interiores e exteriores, a vida e a sua representação (a protagonista
é uma actriz), personalidades contrastantes (entre egoístas e abnegadas),
desejos reprimidos ou em fúria, enfim, um caudal de emoções em choque.
Acompanhado por uma realização ora de
uma sobriedade clássica, ora de um barroquismo de movimentos que desarma.
Tuo se inicia nas cores
garridas de um dia de praia em Coney Island, onde Lora Meredith, uma aspirante
a actriz, viúva, perde a filha de seis anos e a vai encontrar a brincar com
Sarah Jane, de oito anos, filha de Annie Johnson, uma negra desempregada que
Lora acaba por levar para casa, tornando-se lentamente na sua abnegada
empregada doméstica. De início, as dificuldades são muitas, Lora encontra
conforto num fotógrafo, Steve Archer, que lhe propõe casamento, proposta que
será afastada, pois Lora não quer abdicar do seu sonho de ser actriz.
Entretanto, há uma outra linha de intriga a entrelaçar nesta: Sarah Jones, que
é uma miúda de pele muito clara, recusa-se a ser chamada de negra e afasta-se
da mãe. Busca trabalho onde o acha, em noites de cabaret e como corista de
espectáculos diversos. Aqui se percebem dois pratos de balança que funcionam
desajustados: Lora torna-se vedeta, afasta-se de Steve, não tem tempo para a
filha, Susie, que procura atenção por outras vias (obviamente junto de Steve).
Por seu lado, Annie Johnson tudo faz para acompanhar a filha, aceita que Sarah
viva a sua vida longe da sua cor negra, mas nunca longe do seu coração cada vez
mais frágil.
Como vemos, há um pouco de tudo, orquestrado com mão de mestre,
numa envolvência cromática magnífica, com uma banda sonora de cortar a
respiração. Toda a descrição do ambiente social é notavelmente bem dada, sem
demagogias nem maniqueísmo, os dramas resultam óbvios, nada rebuscados, sem que
todavia deixe de existir essa progressão para o excesso, para ao limite, para
um barroquismo emocional que a fabulosa sequência final se encarrega de
sublimar. Estamos realmente na presença de um melodrama de altíssima voltagem
sentimental, mas de uma qualidade plástica e de uma profundidade humana
indesmentíveis. O melodrama aqui não se furta à vida, não a embeleza, nem a
diaboliza: enfrenta-a na sua complexidade. A questão rácica que aqui é
levantada é desenvolvida com grande rigor, não esquecendo que estamos nos anos
50, nos EUA. Há uma sequência brilhante, passada com Sarah e um namorado num
beco soturno que é um retrato ácido da época.
Se a realização de Sirk é
notável, a sua direcção de actores não o é menos: Lana Turner prolonga de
alguma forma o seu trabalho em “Cativos do Mal”, recuperando de um período de
apagamento, John Gavin é o discreto e prestável Steve Archer, Sandra Dee
iniciaria uma carreira de adolescente rebelde que marcaria a década, e Susan
Kohner, na Sarah Jane, é absolutamente notável.
IMITAÇÃO DA VIDA
Título original: Imitation of Life
Realização: Douglas Sirk (EUA, 1959); Argumento: Eleanore Griffin, Allan
Scott, segundo romance de Fannie Hurst; Produção: Ross Hunter; Música: Frank
Skinner, Henry Mancini; Fotografia (cor): Russell Metty; Montagem: Milton
Carruth; Direcção artística: Alexander Golitzen, Richard H. Riedel; Decoração:
Russell A. Gausman, Julia Heron; Guarda-roupa: Bill Thomas; Maquilhagem: Larry
Germain, Bud Westmore; Direcção de produção: Norman Deming; Assistentes de
realização: Frank Shaw, Wilson Shyer; Departamento de arte: Robert Laszlo; Som:
Leslie I. Carey, Joe Lapis; Efeitos visuais: Monty Phillips; Companhias de
produção: Universal International Pictures; Intérpretes: Lana Turner (Lora Meredith), John Gavin (Steve
Archer), Sandra Dee (Susie – 16), Susan Kohner (Sarah Jane – 18), Robert Alda
(Allen Loomis), Dan O'Herlihy (David Edwards), Juanita Moore (Annie Johnson),
Troy Donahue (Frankie), Karin Dicker, Terry Burnham, John Vivyan, Lee Goodman,
Ann Robinson, Sandra Gould, David Tomack, Joel Fluellen, Jack Weston, Billy
House, Maida Severn, Than Wyenn, Peg Shirley, Mahalia Jackson, etc. Distribuição
em Portugal: Costa do Castelo (DVD); Classificação etária: M/12 anos; Duração: 125 minutos.
DOUGLAS
SIRK (1897-1987)
Hans Detlef Sierck nasceu a
26 Abril 1897, Hamburgo, Alemanha, e faleceu a 14 de Janeiro de 1987, Lugano,
Ticino, Suíça. Natural da Alemanha, mas filho de um jornalista dinamarquês, foi
educado na Dinamarca durante os primeiros anos de vida, acabando por regressar
à Alemanha ainda adolescente, onde se instalou a família. Estuda Direito,
História de Arte, Filosofia, e adquire uma vasta cultura que mais tarde fará
dele um aristocrata em Hollywood. Emprega-se num teatro de Hamburgo, onde se
inicia como encenador. Trabalha sucessivamente em Chemnitz, Brême e Leipzig,
onde permanece uns anos depois de 1929. Casado com uma judia, começa a ter problemas
com as autoridades nazis, sobretudo depois de ter aceite um lugar na UFA (Universum
Film AG), em 1934. Exila-se da Alemanha em 1937, deixando para trás um filho
que se havia inscrito na juventude hitleriana e que se tornara actor em filmes
de propaganda. Passa por Itália, França e finalmente chega aos EUA.
Tenta trabalhar na Warner,
onde não é feliz, torna-se agricultor durante algum tempo (que ele considerou
dos mais felizes da sua vida) e adapta o nome americano de Douglas Sirk. Lança-se
num projecto de pequeno orçamente (“Hitler's Madman), que chama a atenção para
si. Constrói uma carreira interessante, com alguns filmes particularmente
curiosos, mas é sobretudo na década de 50 que o seu talento explode. Antes,
volta à Alemanha, em finais da década de 40, para tentar localizar o filho, e
descobre que o mesmo morrera na frente Leste. Regressa à Califórnia e, a partir
de 1952 até 1959, assina um conjunto de obras melodramáticas, para o produtor
Ross Hunter, da Universal Pictures, que na altura não são muito consideradas,
mas que na década de 60 serão devidamente valorizadas: “Magnificent Obsession”
(Sublime Expiação), “All That Heaven Allows” (O Que o Céu Permite), “There's
Always Tomorrow” (A Vida Não Pára), “Written on the Wind” (Escrito no Vento), “Battle
Hymn” (Abnegação), “Interlude” (Os Amantes de Salzburgo), “The Tarnished Angels”
(O Meu Maior Pecado), “A Time to Love and a Time to Die” (Tempo para Amar e
Tempo para Morrer) e “Imitation of Life” (Imitação da Vida). Deixa os EUA,
passa pela Alemanha onde assina duas ou três curtas-metragens e instala-se na
Suíça, onde morreu, em Lugano.
Autor de um estilo refinado
e delicado, onde aqui e ali desponta uma ironia fina, os seus melodramas são
lições de um classicismo que vai buscar inspiração ao teatro, à pintura e
possivelmente à ópera. O amor e os constrangimentos sociais, os conflitos
extremados do indivíduo perante a sociedade, do negro perante o branco, da
mulher frente ao homem, da vida rural em oposição à grande cidade, dos
deserdados perante os poderosos são os temas constante das suas obras.
Utilizando um colorido, ora quente, ora suavizado, que acompanha o
enquadramento dramático das personagens, Sirk atinge o sublime em muitos dos
seus filmes. Muitos realizadores o consideram um mestre e o homenagearam por
palavras e obras: Jean Luc Godard, Rainer Werner Fassbinder, Quentin Tarantino,
Todd Haynes, Pedro Almodóvar, Wong Kar-wai, John Waters ou Lars von Trier são
testemunho dessa admiração. Casado com Hilde Jary e Lydia Brinken, em datas
indeterminadas.
Filmografia
Como realizador
(assinados por Detlef
Sierck)
1934: Zwei Genies
(curta-metragem)
1935: Das Mädchen vom
Moorhof
1935: Der Eingebildete
Kranke (curta-metragem)
1935: Dreimal Ehe
(curta-metragem)
1935: April, April!
1935: Stützen der Gesellschaft
(Pilares da Sociedade)
1936: La
Chanson du Souvenir, de Serge de Poligny e Douglas Sirk
1936: 't was een april
1936: Schlußakkord (Acorde Final)
1936: Das Hofkonzert
(Concerto na Corte)
1937: Zu neuen Ufern (Em
Direcção a Novos Rumos)
1937: La Habanera (O Veneno
dos Trópicos)
1938: Accord Final (Alvorada
de Amor) (não creditado)
1939: Boefje
Como Douglas Sirk
1943: Hitler's Madman
1944: Summer Storm
(Tempestade de Verão)
1946: A Scandal in Paris
(Escândalo em Paris)
1946: Le Démon de la Chair (Uma
Mulher Estranha) de Edgar George Ulmer (não creditado)
1947: Lured (Oito
Desaparecidas)
1948: Sleep, My Love (Sonha
Meu Amor)
1949: Shockproof (Liberdade
Vigiada)
1949: Slightly French
(Francesa Feita à Pressa)
1950: Mystery Submarine (O Submarino Misterioso)
1951: The First Legion (A Primeira Legião)
1951: Thunder on the Hill (E... Deus Não Dorme)
1951: The Lady Pays Off
(Jogar, Perder e Ganhar)
1951: Week-End with Father (Os Papás Vão Casar)
1952: No Room for the Groom
(O Noivo Não Tem Quarto)
1952: Has Anybody Seen My Gal? (Viram a Minha Noiva?)
1953: Meet Me at the Fair
(O Orfão Perdido)
1953: Take Me to Town
1953: All I Desire (Desejo de Mulher)
1954: Taza, Son of Cochise
(Herança de Honra)
1954: Magnificent Obsession
(Sublime Expiação)
1954: Sign of the Pagan (O
Sinal do Pagão)
1955: Captain Lightfoot (O
Rebelde da Irlanda)
1955: All That Heaven Allows (O Que o Céu Permite)
1956: There's Always Tomorrow (A Vida Não Pára)
1956: Written on the Wind (Escrito no Vento)
1956: Battle Hymn
(Abnegação)
1956: Never Say Goodbye
(Nunca Digas Adeus), de Jerry Hopper (não creditado)
1957: Interlude (Os Amantes
de Salzburgo)
1958: The Tarnished Angels
(O Meu Maior Pecado)
1958: A Time to Love and a
Time to Die (Tempo para Amar e Tempo para Morrer)
1959: Imitation of Life
(Imitação da Vida)
1975: Sprich zur mir wie
der Regen (curta-metragem)
1977: Sylvesternacht
(curta-metragem)
1979: Bourbon Street Blues (co-realizador)
2007 :
Quand la peur dévore l'âme (curta-metragem) (arquivo)
SANDRA DEE (1942 – 2005)
Alexandra Cymboliak Zuck,
ou Sandra Dee, nasceu a 23 de Abril de 1942, em Bayonne, New Jersey, EUA, e
viria a falecer a 20 de Fevereiro de 2005, em Thousand Oaks, Califórnia, EUA,
vitima de insuficiência renal acompanhada de pneumonia. Começou a sua carreira
como modelo, aos quatro anos, antes de se estrear no cinema, também muito cedo,
interpretando papéis de adolescente, em melodramas e histórias de amor com
protagonistas jovens. Filmes como “Imitação da Vida” ou “Escândalo ao Sol”
conferiram-lhe certa notoriedade, tendo ganho um Globo de Ouro, em 1959, como
actriz revelação do ano e uma das jovens actrizes mais promissoras. Por esses
anos teve grande sucesso, sobretudo nas camadas jovens, mas em finais dos anos 60, a sua carreira entra em
declínio. Casou com o cantor Bobby Darin, acontecimento altamente mediatizado
na altura, que acabaria em divórcio. Figura de certa forma mítica, inspirou a
canção “Look at me, I'm Sandra Dee”, que surgiu no musical da Broadway e do
cinema, “Grease”. A doença abateu-a, tendo sido atacada pela a anorexia, a
depressão e o alcoolismo. Em 2000, foi-lhe diagnosticado um cancro na garganta
e complicações renais que, combinadas com uma pneumonia, a levaram à morte a 20
de Fevereiro de 2005, no “Los Robles Hospital & Medical Center”, em Thousand
Oaks, Califórnia. Tinha 62 anos, embora alguns afirmem que tinha somente 60.
Foi enterrada no cemitério “Forest Lawn Memorial Park Cemetery”, em Hollywood
Hills. Em 1994, Dodd Darin, filho do casal, escreveu um livro sobre seus pais,
“Dream Lovers: The Magnificent Shattered Lives of Bobby Darin and Sandra Dee”,
onde fala da mãe e dos seus problemas de saúde e envolvimento com drogas e
álcool, e ainda revela ela ter sofrido abusos sexuais, quando criança, do seu
padrasto Eugene Donovan. Em 2004,
a sua vida com Bobby Darin foi levada ao cinema, no
filme “Bobby Darin - O Amor é Eterno” (Beyond the Sea), uma realização de Kevin
Spacey que interpreta igualmente o papel de Bobby Darin. Sandra Dee era
interpretada por Kate Bosworth.
Filmografia
Como actriz
1957: The Snow Queen) (voz)
1957:
Until They Sail (Famintos de Amor), de Robert Wise
1958:
The Reluctant Debutante (A Estreante Endiabrada), de Vincente Minnelli
1958:
The Restless Years), de Helmut Käutner
1958:
The Wild and the Innocent), de Jack Sher
1959: Gidget, de Paul Wendkos
1959: Imitation of Life (Imitação da Vida), de
Douglas Sirk
1959: A Stranger in My Arms (Um Estranho nos Meus
Braços), de Helmut Käutner
1959: A Summer Place (Escândalo ao Sol) de Delmer
Daves
1960: Portrait in Black (Moldura Negra), de Michael
Gordon
1961: Romanoff and Juliet (Romanoff e Julieta), de
Peter Ustinov
1961: Tammy Tell Me True) de Harry Keller
1961: Come September (Idílio em Setembro), de
Robert Mulligan
1962:
If a Man Answers) de Henry Levin
1963: Take Her, She's Mine (Minha Filha não é
Minha), de Henry Koster
1963:
Tammy and the Doctor (Tammy e o Doctor), de Harry Keller
1964:
I'd Rather Be Rich de Jack Smight
1965:
That Funny Feeling (Uma Estranha Sensação), de Richard Thorpe
1966:
A Man Could Get Killed (Dança dos Diamantes) de Ronald Neame et Cliff Owen
1967:
Doctor, You've Got to Be Kidding! (Doutor, o Senhor Está Brincando!), de Peter
Tewksbury
1967: Rosie! (Os Milionários), de David Lowell Rich
1970:
The Dunwich Horror (A Colina do Horror), de Daniel Haller
1971:
East of Marsa Matruh
1972: The Manhunter (Fuga no Pântano), de Don
Taylor (telefilme)
1972:
Night Gallery (TV)
1972:
The Daughters of Joshua Cabe (TV)
1974:
Houston, We
Have a Problem (TV)
1977:
Fantasy Island (TV)
1983:
Lost, de Al Adamson
1994:
Frasier (TV)
Um bonito filme. O genérico é deslumbrante. Lana Turner é uma das minhas atrizes favoritas e neste filme tem um optimo desempenho. O único filme de Douglas Sirk que vi. Estou interessado em conhecer mais filmes deste realizador.
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