quinta-feira, 27 de março de 2014

SESSÃO 29: 28 DE ABRIL DE 2014


 
HÁ LODO NO CAIS (1954)


“On the Waterfront” (Há Lodo no Cais) é uma das obras máximas de Elia Kazan e também um dos seus títulos mais contestados. Não pela qualidade intrínseca da obra, que raros põem em causa, mas pelas implicações que a mesma acarreta, relativas a um período extremamente polémico da vida da América e do próprio cineasta.
Deve, aliás, dizer-se que “Há Lodo no Cais” poderá justificar duas formas de aproximação quase antagónicas, uma integrando o filme no caso específico do comportamento individual do realizador durante o "maccartismo", outra olhando-o como obra autónoma que seja analisada por um espectador desprevenido que atente apenas naquilo que as imagens mostram.
Para se compreender melhor este filme é necessário conhecer um pouco da história pessoal deste cineasta. Já com alguma fama como encenador, Elia Kazan foi convidado, no início da década de 40, a viajar até Hollywood.
Durante os anos 30, ainda em Nova Iorque, militara no Partido Comunista americano, numa época em que este partido tinha alguma influência no quadro da sociedade norte americana, sobretudo por causa de Roosevelt e do seu programa de desenvolvimento económico e social, conhecido por “New Deal”. Roosevelt desafiara as forças de esquerda para se associarem a este projecto de recuperação nacional, o que era sobretudo visível no campo artístico e literário. Por isso, quando Kazan surge na realização, é compreensível que mantenha e prolongue no cinema essa formação de empenhamento político, bem como as suas inquietações de raiz social, o que ficou bem testemunhado, por exemplo, em “Crime Sem Castigo”.
Depois, em meados da década de 40, quando Kazan já se encontrava fora das estruturas do Partido - fora expulso, acusado de pouca ortodoxia -, a Comissão das Actividades Anti-Americanas inicia a depuração da sociedade americana dos elementos comunistas, e avança deliberadamente contra o mundo do cinema, pois era o campo que maior cobertura jornalística forneceria, favorecendo dessa maneira a estrutura intimidatória do inquérito dirigido pelo tristemente célebre senador MacCarthy. O cinema seria o exemplo a brandir perante a sociedade.
Entre os vários realizadores, argumentistas, técnicos e actores intimados a comparecer perante essa comissão esteve Kazan. Enquanto alguns se recusaram a depor e outros falaram constrangidos, Kazan aceita depor, e aluga uma página de um diário para tornar pública a sua denúncia. Confessa ter sido comunista e aponta os que como ele o foram, alegando várias justificações para esta atitude, entre as quais o facto do PC americano se ter transformado numa estrutura intimidatória lesiva. 
Daí em diante, Kazan será acusado na América e no mundo por este seu acto, e os seus filmes posteriores não deixam de reflectir sobre este acontecimento traumatizante. “Viva Zapata!”, que é realizado em 1951, acompanha o desenrolar do processo, “Man on a Tightrope”, de 1954, é uma obra claramente anti comunista, e talvez das mais fracas de Kazan, “Há Lodo no Cais” é de 1954, e assume-se claramente como uma reflexão sobre a denúncia. Será que a denúncia é em si mesmo um acto negativo? Kazan irá mostrar, através da figura de Terry Malloy, que Marlon Brando interpreta de forma memorável, que a denúncia pode por vezes ser heróica.
É aqui que a interpretação desta obra adquire leituras diferenciadas. Se a denuncia de Kazan, por muito compreensíveis que sejam os factos em que se baseia, e que a História de alguma forma comprovou, é apesar de tudo condenável, pelo cenário histórico em que se inscreve - a ascensão de forças ultrareaccionárias na América, comandadas por ultra direitistas como o sinistro MacCarthy -, já a denúncia de Terry Malloy é efectivamente um acto de coragem cívica.
No mundo das docas, com os sindicatos dominados por uma Mafia que tudo corrompe em proveito próprio, Terry Malloy, antigo pugilista que passou ao lado de uma grande carreira porque aceitou perder um combate que era de ganhar, é chamado para atrair a uma cilada um operário que estava disposto a denunciar o "complot". Mas, a partir daí, este acto irá pesar na consciência de Terry Malloy, que lentamente começa a perceber quais os interesses que efectivamente se movimentam por detrás de Johnny Friendly e do seu próprio irmão Charley. O padre Barry coloca-se à frente da contestação, mas necessita de alguém que aceite depor no inquérito. Alguém que chegue vivo até ao tribunal.
O filme de Kazan é prodigiosamente construído, e admiravelmente interpretado. Basta analisar meia dúzia de planos iniciais para se perceber que estamos perante um cineasta invulgar. Das docas sai o grupo de Johnny Friendly e a imagem, com um navio acostado, é uma imagem de força e de poder. Num “contra-plongée” quase vertical, vê-se Terry Malloy, com um pombo-correio nas mãos, chamar um amigo. Num plano seguinte, o rosto de Malloy surge para lá de um gradeamento que aponta para o céu as suas ameaçadoras setas metálicas. E dá-se o irremediável.
As imagens preparam o acontecimento de forma fulgurante. Todo o filme irá jogar com esta mestria narrativa, este poder de sugestão, esta força expressiva que só os muito grandes conseguem realmente concretizar com uma economia de meios absolutamente genial. Elia Kazan é um realizador invulgar. O argumento de “On the Waterfront”, escrito por Budd Schulberg, segundo uma série de artigos de Malcolm Johnson, é de uma inteligência e lucidez notáveis. A fotografia a preto e branco de Boris Kaufman é igualmente admirável, pela dureza e rigor que imprime às imagens. A música de Leonard Bernstein ajuda a ritmar o pulsar desta sociedade violenta. Marlon Brando atinge aqui o estatuto de mito, mas todos os que o rodeiam são brilhantes, desde os sinistros Lee J. Cobb e Rod Steiger, à inocente e pura Eva Marie Saint, passando por Karl Malden na figura do padre Barry. 
Uma obra-prima que a Academia de Hollywood consagrou com 8 Oscars, entre os quais os de melhor filme, melhor realização, melhor actor, melhor actriz secundária, melhor argumento, melhor fotografia a preto e branco, melhor montagem e melhor direcção artística. Pela primeira vez na história de Hollywood um mesmo filme via três actores secundários serem nomeados para o Oscar da categoria - Karl Malden, Rod Steiger e Lee J. Cobb.  
E não se pode dizer que tenha sido somente a Academia a saldar a sua dívida para com Kazan, porque nos meios de Hollywood, entre aqueles mesmo que agora votavam os melhores, Kazan deixara muitas inimizades. Mas a força de “Há Lodo no Cais” a tudo resiste. Esperemos que funcione hoje como tremendo libelo contra um mundo onde as injustiças mais gritantes sobrevivem, e onde por vezes é necessário erguer corajosamente a voz.
Marlon Brando, na sua auto-biografia, explica desta forma a génese de “Há Lodo no Cais”: “Durante a década de trinta, vários membros do Group Theatre, incluindo Gadg, aderiram ao Partido Comunista - em grande parte, julgo, devido a uma crença idealista de que oferecia uma abordagem progressista para acabar com a Depressão e a crescente desigualdade económica no país, confrontava a injustiça racial e fazia frente ao fascismo. Muitos, incluindo Gadg, não tardaram a ficar desencantados com o partido, mas apelavam para as sua causas durante a histeria da era McCarthy.
“A House Un-American Activities Committee era liderada por J. Parnell, um honrado pilar da nossa comunidade política, que veio mais tarde a ser preso por fraude. Os outros membros da comissão estavam bastante mais preocupados em explorar o fascínio do público por Hollywood e em gerar publicidade para si próprios do que com qualquer outra coisa. Intimaram Gadg e o seu testemunho marcou-o para sempre. Não apenas admitiu que fora comunista, como identificou todos os restantes membros do Group Theatre que também o haviam sido. Muitos dos seus velhos amigos ficaram furiosos, consideraram o testemunho uma traição e recusaram-se a voltar a falar ou trabalhar com ele.”
“Até então, Gadg colaborara com Arthur Miller, para quem realizou “All My Sons”. Depois disso, presenteou-me com um argumento que tratava da vida nos cais de Nova Iorque. Quando Miller se retirou do projecto, Gadg chamou Budd Schulberg, o romancista que, tal como ele próprio, denunciara nomes perante a House Un-American Activities Committee. Schulberg estava a trabalhar num argumento acerca da corrupção nas docas baseado numa série de artigos de imprensa premiados que descreviam a forma como a Máfia se apoderava de parte da carga movimentada nos portos de Nova Iorque e Nova Jérsia. Gadg e Schulberg juntaram os dois argumentos e tentaram durante meses arranjar um estúdio que financiasse o filme.“
Sobre a personagem que interpretou, o actor esclarece: “Terry Malloy, um ex-pugilista, foi uma personagem baseada numa figura verídica que, apesar das ameaças contra a sua vida, testemunhou contra o Goodfellas, que dirigia o cais de Jérsia. Aceitei com relutância o papel porque não apreciara a atitude de Gadg e conhecia algumas das pessoas que haviam sido gravemente prejudicadas. Era especialmente estúpido, porque a maior parte das pessoas haviam deixado de ser comunistas. Pessoas inocentes foram também colocadas na lista negra, incluindo eu, embora nunca tivesse tido qualquer filiação política. Foi apenas porque tinha assinado uma petição contra o linchamento de um homem negro no Sul. A minha irmã Jocelyn, que aparecera na peça “Mister Roberts”, na Broadway, e se tornou uma actriz muito popular, foi também incluída na lista negra porque o seu nome de casada era Asinof e havia outro J. Asinof. Nessa época, pisar o passeio com o pé esquerdo em primeiro lugar já era motivo para suspeita de que se pertencia ao Partido Comunista. Julgo que escapámos por um triz a implantação do fascismo neste país.”
“Gadg tinha de justificar o que fizera e pareceu ter sinceramente acreditado na existência de uma conspiração global para se apoderar do mundo e em que o comunismo constituía uma perigosa ameaça para as liberdades americanas. Tal como os seus amigos, disse-me que se voltara para o comunismo porque, na altura, lhe parecera oferecer um mundo melhor, mas que o abandonara quando se apercebera de que não era assim. Falar sinceramente perante a comissão, opondo-se aos seus antigos amigos que não haviam abandonado a causa, fora uma decisão difícil, acrescentou, mas uma vez que fora por eles ostracizado não sentia remorsos pelo que fizera.”
“Decidi finalmente fazer o filme, mas do que não me apercebi na altura foi de que “Há Lodo no Cais” era na verdade um argumento metafórico da autoria de Gadg e Budd Schulberg; fizeram o filme para se justificarem por terem denunciado os amigos. Claro que, ao interpretar a figura de Terry Malloy, eu representava o espírito do homem destemido e corajoso que desafiava o mal. Nem Gadg nem Budd Schulberg tiveram alguma vez segundas intenções no seu testemunho perante a comissão.”
“Nessa época, Gadg era o realizador que estava no limiar da mudança do modo de fazer filmes. Fora influenciado por Stella Adler e pelas inovações que esta trouxera da Europa e tentava sempre criar espontaneidade e ilusão da realidade nos seus filmes. Contratou homens das docas para actuarem como figurantes. Filmou a maior parte das cenas nos bas-fonds da doca de Nova Jérsia. Ficou satisfeito por estar mesmo frio. Isso conferia um toque de realismo e ficou encantado pelo facto de o nosso bafo aparecer no filme. A maior ironia consistiu no facto de ter obtido autorização da Máfia para filmar nas docas. Quando o convidaram para almoçar, arrastou-me com ele e só mais tarde vim a saber que o homem com quem almoçámos era o líder do cais de Jérsia. Apesar de Gadg ter denunciado os amigos perante a House Committee over Communism, nem hesitou ao ter que cooperar com a Cosa Nostra. Tendo em conta os seus próprios critérios, isto pareceria um extraordinário acto de hipocrisia, mas quando Gadg queria fazer um filme e tinha de mexer alguns cordelinhos para o conseguir estava perfeitamente disposto a isso. Na realidade, conheci algumas pessoas da Cosa Nostra na altura e tê-los-ia preferido a bastantes políticos que temos.”
Muito interessante é ainda surpreender as relações entre actor e realizador, neste caso entre Elia Kazan e Marlon Brandon que aqui dá conta da sua versão:
“Uma das razões pelas quais Gadg era um óptimo realizador era por conseguir manipular as emoções das pessoas. Tentava descobrir tudo acerca dos seus actores e participava emocionalmente em todas as cenas. Vinha ter connosco nos intervalos das filmagens e dizia-nos algo que pudesse suscitar reacções para melhorar a cena. Por vezes, chegava a criar mal-entendidos com esta técnica. Em “Viva Zapata!” eu fazia de irmão de Tony Quinn e Gadg disse-lhe algumas mentiras a meu respeito. Isto intensificou o estado emocional de Tony e foi muito bom para o filme, porque fez acentuar o conflito entre irmãos; infelizmente, Gadg nunca se preocupou em desfazer o mal-entendido. Só vim a sabê-lo quinze anos depois, num talk-show, em que Tony fez referencia ao que se passara. Telefonei-Ihe e disse-lhe que nunca havia dito tais coisas e que Gadg o manipulara. Foi um alívio poder esclarecer esta trapalhada. Desde então, Tony e eu voltamos a falar-nos.”
“Gadg era fantástico a inspirar os actores a representar, mas isso tinha um preço. As pessoas comentaram muitas vezes comigo a cena de “Há Lodo no Cais” que tem lugar no banco de trás de um táxi. Ilustra bem o modo de trabalhar de Kazan. Eu desempenhava o papel de irmão bonzinho e ele era um líder sindical corrupto que tentava melhorar a minha posição com a Máfia. Haviam-Ihe insinuado de diversas formas que me armasse uma cilada porque eu iria testemunhar perante a Comissão do Cais acerca dos crimes de que tinha conhecimento. Segundo o argumento, Steiger era suposto puxar de uma pistola no táxi, apostar-ma e dizer “Decide-te antes de chegarmos a 437 River Street” - que era onde eu seria morto.
Disse a Kazan: “Não posso acreditar que ele dissesse uma coisa dessas ao irmão e o público também não vai acreditar que este tipo que viveu toda a vida com o irmão e que tomou conta dele durante trinta anos lhe apontasse de repente uma arma e ameaçasse matá-lo. Não é verosímil.
Esta situação era típica das discussões criativas que tínhamos.
- Não posso representar isto assim - insisti e Gadg respondeu: “-Claro que podes; é perfeitamente plausível.”
- É ridículo - protestei. - Ninguém falaria assim ao irmão. Representámos várias vezes a cena à maneira dele, mas eu continuei a dizer:
- Não pode ser assim, Gadg, a sério que não. Finalmente, ele disse: “Está bem, apresentem a vossa proposta”.
Rod e eu improvisámos a cena e acabámos por mudá-la por completo. Gadg ficou convencido e gravou-a.
Na nossa improvisação, quando o meu irmão me apontava a arma no táxi, eu olhava para a pistola e depois para ele com ar incrédulo. Não me passaria um segundo pela cabeça que ele premisse o gatilho. Senti pena dele. Depois Rod começa a falar da minha carreira de pugilista. “Se eu tivesse tido um agente melhor”, disse, “as coisas ter-me-iam corrido melhor no ringue. Ele foi demasiado apressado contigo.”
- Não foi ele, Charlie - disse eu -, foste tu. Lembras-te daquela noite no Garden quando foste ao meu camarim e me disseste “Miúdo, hoje não é a tua noite. Vamos apostar no Wilson?” - Lembras-te disso? “Esta não é a tua noite.” - A minha noite! Podia ter vencido o Wilson. Por isso, o que aconteceu? Ele ficou a um passo do título, como se fosse uma brincadeira e eu que é que consegui? Um bilhete de ida para Palookaville. Tu és meu irmão, Charlie, devias ter defendido melhor os meus interesses. Devias ter tomado melhor conta de mim, para que eu não tivesse que receber massa para fingir knock-outs... Podia ter tido classe. Podia ter sido um grande pugilista. Podia ter sido alguém, em vez de um vagabundo, que é o que eu sou, chamemos as coisas pelos nomes. Foste tu, Charlie...
Quando o filme estreou, imensas pessoas consideraram a minha actuação excelente e a cena comovente. Mas não precisava de um actor, era uma cena que demonstrava como o público se identifica com as personagens numa história bem contada. Quase toda a gente acredita que ele podia ter sido um grande pugilista, que podia ter sido alguém se tivesse tido outra sorte, por isso, ao verem a cena, identificam-se com ele. É essa a magia do teatro; todo o público se transforma em Terry Malloy, um homem que teve a coragem, não apenas de fazer frente à Máfia, como também de afirmar: “Sou um vagabundo. Chamemos as coisas pelos seus nomes...”
No dia em que Gadg me mostrou o filme, fiquei tão deprimido com a minha actuação que me levantei e abandonei a cabina de projecção. Pensei que o filme ia ser um fracasso e afastei-me sem dizer palavra. Estava muito envergonhado.
Ninguém é perfeito e penso que Gadg fez bastante mal a outras pessoas, mas sobretudo a si próprio. Estou em dívida para com ele por tudo o que me ensinou. Era um professor maravilhoso.
Tive alguns problemas de consciência em comparecer na cerimónia de entrega dos Óscares e aceitar um galardão. Nunca acreditara que o resultado fosse mais importante do que o esforço. Lembro-me de que me levaram para a cerimónia e eu ainda estava indeciso acerca do facto de ter vestido um smoking. Mas acabei por pensar “que se lixe”; as pessoas querem agradecer-nos e se é assim tão importante para elas, porque não comparecer? Desde então mudei de opinião acerca dos prémios em geral e não voltarei a aceitar nenhum. Isto não significa que não considere válido aquilo em que as outras pessoas acreditam; muitas pessoas que conheço e de quem gosto acreditam que os galardões são bastante valiosos e chegam mesmo a envolver-se no processo dos Óscares da Academia e outros. Não os desprezo por isso e espero que também não me desprezem a mim.”


HÁ LODO NO CAIS
Título original: On the Waterfront
Realização: Elia Kazan (EUA, 1954); Argumento: Budd Schulberg, segundo artigos de Malcolm Johnson; Música: Leonard Bernstein; Fotografia (p/b): Boris Kaufman; Montagem: Gene Milford; Direcção artística: Richard Day; Maquilhagem: Mary Roche, Fred C. Ryle; Direcção de produção: George Justin; Asistentes de realização: Charles H. Maguire, Arthur Steckler; Som: Jim Shields; Produção: Sam Spiegel; Intérpretes: Marlon Brando (Terry Malloy), Karl Malden (Padre Barry), Lee J. Cobb (Johnny Friendly), Rod Steiger (Charley Malloy), Pat Henning (Timothy J. 'Kayo' Dugan), Leif Erickson (Glover), James Westerfield (Big Mac), Tony Galento (Truck), Tami Mauriello (Tullio), John F. Hamilton ('Pop' Doyle), John Heldabrand, Rudy Bond, Don Blackman, Arthur Keegan, Abe Simon, Eva Marie Saint, Barry Macollum, Mike O'Dowd, Martin Balsam, Fred Gwynne, Thomas Handley, Anne Hegira, Dan Bergin, Jere Delaney, Michael V. Gazzo, Pat Hingle, Tiger Joe Marsh, Edward McNally, Nehemiah Persoff, Johnny Seven, etc. Duração: 108 minutos; Distribuição em Portugal: Columbia Filmes; Columbia Tristar (DVD); Classificação Etária: M/12 anos.


MARLON BRANDO 
(1924 - 2004)
Considerado por muitos como “o melhor actor de cinema de todos os tempos”, Marlon Brando, que revolucionou decididamente as artes dramáticas nos Estados Unidos com suas actuações em “Um Eléctrico Chamado Desejo”, em 1951, e “Há Lodo no Cais”, em 1954, e que, depois, em 1972, criaria a mítica personagem de Don Vito Corleone em “O Padrinho”, morreu aos 80 anos, num hospital de Los Angeles. Foi o seu advogado, David J. Seeley quem fez a participação à imprensa, não querendo revelar o nome do hospital, nem a causa da morte. "Era um homem muito reservado", disse Seeley. Mais tarde, porém, Roxanne Moster, a porta-voz do centro médico da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, onde Brando estava internado, declarou que ele morreu na noite de 1 de Julho (de 2004), devido a uma insuficiência pulmonar. O funeral foi uma cerimónia íntima. Marlon Brando tinha deixado várias cassetes onde preparara a encenação do seu enterro, explicando quem deveria ou não ser convidado para a cerimónia fúnebre e dando indicações precisas quanto ao testamento. O seu desejo era ser cremado e que as suas cinzas fossem espalhadas pelas palmeiras da ilha no Tahiti da qual ele chegou a ser proprietário. Aquele que fora o homem mais sedutor da terra durante a década de 50, e ganhara depois disso fama de ser o melhor actor do mundo, morria sozinho num hospital, depois de ter passado os últimos anos de vida num pequeno apartamento, “de um único quarto”, em Mulholland Drive, Los Angeles, sobrevivendo unicamente com a pensão estatal de actor, e rodeado por dívidas que ascendiam a mais de 20 milhões dólares, muitas das quais devidas ao apoio jurídico que concedeu ao seu filho mais velho, Christian, que matara a tiro Dag Drollet, de 26 anos, amante tahitiano de sua meia-irmã Cheyenne. Este drama fatídico tivera lugar na mansão da família, em Beverly Hills, em Maio de 1990. Christian, de 31 anos, assumiu a culpa e foi condenado a dez anos de prisão. Mas a tragédia não abandonou a família e atingiu a intensidade máxima quando Cheyenne, deprimida com a morte de Drollet, se suicidou aos 25 anos de idade. Marlon Brando nunca mais voltou a ser o mesmo.
A boa estrela do actor já o havia abandonado há muito. Em 2002, Brando sofrera uma pneumonia, que o tinha deixado preso numa cadeira de rodas, respirando com a ajuda de uma máscara de oxigénio. Padecia também com o descomunal excesso de peso, causado por desregulamentos de todo o género: uma vida sedentária, alimentação desaconselhável, bebida sem limite, um gosto desmedido por guloseimas. Afirmam as manchetes dos jornais que, não muito tempo antes da morte, fora visto a comprar enormes copos de gelado, num supermercado perto de casa, dado que a enfermeira lhe havia fechado o frigorífico a cadeado.
Mas continuava activo: uma semana antes de morrer, Marlon Brando encontrara-se com o cineasta franco-tunisiano Ridha Behi para alterarem partes do guião de um novo filme, “Brando e Brando”, em que ele iria interpretar o seu próprio papel e cujas filmagens se anunciavam para breve. Ridha Behi garantiu que iria continuar a produção em homenagem ao actor.
Foi, desde o início da carreira no cinema, no princípio da década de 50, um actor que deu corpo e alma a um tipo de herói americano por excelência. Na América individualista, há vários géneros de heróis, do “self made man” vencedor, que faz a imagem dos Estados Unidos triunfalistas, ao anti-herói amargurado por dúvidas, com ou sem causas a defender, sacrificado e mortificado por uma sociedade desapiedada, onde só os mais fortes sem escrúpulos triunfam. Antes de Marlon Brando, tinha havido já ensaios tímidos desta personagem, com actores como John Garfield, depois dele alguns outros surgiram a dar corpo a essa imagem, como James Dean, Montgomery Clift, Paul Newman ou Steve McQueen. Mais recentemente, Sean Penn ou Leonardo di Caprio podem ser dados como sucessores da dinastia. São sedutores inatos, personagens românticas, almas transviadas, perdidas, incapazes de segurar momentos de perfeição ou plenitude. Momentos que atravessam, para se perderem logo a seguir, num ímpeto de rebeldia, num acesso de independência gratuita, que apenas procura marcar uma atitude.
Marlon Brando teve uma infância infeliz. Mas onde é que já se leu esta frase adaptada a actores norte-americanos, daqueles que para sempre marcaram a história do teatro e do cinema mundiais? Nasceu em Omaha, no Estado do Nebraska, a 3 de Abril de 1924, numa família que mesclava as suas origens irlandesas com antepassados franceses e ingleses. Chamavam-se originalmente Brandeau.
O pai, de nome Marlon Brando, era um vendedor de carbonato de cálcio e a mãe, cujo nome de solteira era Dorothy Pennebaker, trabalhava no Teatro Comunitário de Omaha, onde ocasionalmente era actriz. Foi ela quem levou Marlon Brando ao teatro pela primeira vez. Tinha duas irmãs mais velhas, Frances e Jocelyn. A família mudou-se para Evanston, Illinois. Quando a mãe se separa do pai, em 1935, ela parte para Santa Ana, Orange County, Califórnia, levando consigo os filhos; reagrupada a família novamente, em 1937, voltam finalmente a Illinois, mas instalam-se Libertyville, no norte de Chicago, perto do lago Michigan.
Na autobiografia que escreveu de colaboração com o jornalista Robert Lindsey, “Canções Que Minha Mãe Me Ensinou”, Brando relembrou a infância, como época difícil e triste da sua vida, que moldaria o adulto e o marcaria psicologicamente para sempre. Tanto o pai como a mãe eram bêbados sem resgate. À mãe, que progressivamente caminhava para um estado de loucura, Marlon Brando perdoou tudo, apesar de ser evidente que foi ela a complicar as suas relações futuras com as mulheres. O pai, ébrio e violento, mulherengo, que saía de casa para frequentar bordéis de prostitutas sem eira nem beira, batia no filho e acusava-o de que “nunca seria nada na vida”.
Brando era efectivamente um rapaz rebelde e o pai mandou-o para uma escola militar, a Shattuck Military Academy, em Fairbult, Minnesota, para o disciplinar, mas foi rapidamente expulso. Voltou a casa, por uns tempos, mas aos 19 anos mudou-se para Nova Iorque, dividindo um apartamento com sua irmã Frances. Era a independência. O gosto da liberdade, que não mais deixou de perseguir. Na academia militar, apenas um professor de inglês que também encenava peças de teatro, manifestara optimismo na carreira futura de Brando. Quando saiu da escola, despediu-se dele com um reconfortante “o mundo ainda há-de ouvir falar de ti!” Como só o tinham elogiado no teatro, pensou: “Vou ser actor!”
Em 1943, Brando inscreve-se num curso de teatro dirigido pelo emigrante alemão Erwin Piscator. Frequentou o Dramatic Workshop da New School for Social Research, tendo como professora Stella Adler, que vivera em Moscovo na década de 30 e estudara e trabalhara com Konstantin Stanislavsky no Teatro das Artes de Moscovo. Na América, animou o Group Theatre que usava o “método” de Stanislavsky, segundo o qual cada actor tinha de alimentar as personagens que criava com as emoções da sua própria personalidade. Marlon Brando sempre esteve mais próximo de Stella Adler do que do outro seguidor do método, Lee Strasberg, de quem, aliás, se distanciou tempos mais tarde, acusando-o de oportunismo e muito mais.
Sobre o trabalho de Stella, não se cansa de o elogiar: “Deixou um legado espantoso. Praticamente toda a representação nos filmes de hoje tem origem nela e teve um efeito extraordinário na cultura do seu tempo. (…) As técnicas que trouxe para este país e ensinou aos outros transformaram grandemente a arte de representar. Primeiro, transmitiu-as aos outros membros do Groupo Theatre e, depois, actores como eu, que foram seus alunos. Exercemos o nosso ofício de acordo com a forma e o estilo que nos ensinou e, dado que os filmes norte-americanos dominam o mercado mundial, os ensinamentos de Stella influenciaram actores em todo o mundo.” Mais adiante: “Representação metódica” foi um termo popularizado, abastardado e mal utilizado por Lee Strasberg, um homem por quem tinha pouco respeito e, por isso, hesito em usá-lo. O que Stella ensinava aos seus alunos era a descobrirem a natureza da sua própria mecânica emocional e, portanto, a de outros. Ensinou-me a ser verdadeiro e a não tentar representar uma emoção que não sentisse pessoalmente durante a representação.”
Em 1944, Brando estreia-se no teatro na companhia da Dramatic Workshops, no papel de Jesus, na peça de Gerhart Hauptmann, “Hannele”. Durante o verão, apresenta “Twelfth Night” num festival em Long Island. Fazia o papel de Sebastian, mas foi afastado da companhia por ter sido descoberto enrolado com uma rapariga. Piscator não perdoou, mas Marlon Brando afirma que mais tarde foi o próprio Piscator surpreendido com uma das actrizes da companhia.
No mesmo ano, aparece na Broadway, na obra – não musical - de Rodgers and Hammerstein "I Remember Mama", que esteve dois anos em cena. Estreou a 19 de Outubro de 1944. Por essa altura, inventava biografias exóticas para si. No “Playbill” dessa época, tão depressa nascera na China como em Banguecoque, e o pai era geólogo ou zoófilo. No camarim tinha “A Crítica da Razão Pura”, de Kant, “Os Discursos”, de Eicteto, ou obras de Thoreau, Gibbon ou Rousseau. 
Em 1946, Brando interpreta o drama de Maxwell Anderson “Truckline Café”, dirigido por Elia Kazan, o mesmo encenador que lhe daria o papel de Kowalski em “Um Eléctrico Chamado Desejo”, em 1947. Interpreta ainda “A Águia das Duas Cabeças”, de Jean Cocteau, ao lado de Tallulah Bankhead, uma “vamp” célebre por essa década, que muitos consideravam lésbica, que Marlon Brando nunca viu nessa condição, mas de cujo assédio constante se lamenta. A peça estreou em New England e o actor não aguentou durante muito tempo os beijos devoradores da voluptuosa Tallulah. Foi despedido seis semanas depois, e depois também de bochechar com tudo o que tinha à mão para afastar a língua invasora da sua amante de palco, que o não poupava a novas arremetidas. Chegou a Nova Iorque sem dinheiro, roubado durante a viagem, e sem trabalho. Mas a sorte não o abandonou e Tennessee Williams, que andava à procura de um protagonista para a sua nova peça, escolhe-o, após uma audição histórica. É o próprio dramaturgo quem explica a “descoberta”, em carta enviada à sua agente Audrey Wood: “Não me tinha ocorrido antes como a peça ficaria enriquecida se contratasse um jovem actor para interpretar este papel. Humaniza o carácter de Stanley tornando-o mais produto da brutalidade e insensibilidade da juventude do que de um velho maldoso. Não quero focar a culpa ou o remorso numa personagem determinada, mas mostrar a tragédia da incompreensão e da insensibilidade relativamente aos outros. “
Ou ainda: “A leitura de Brando veio acrescentar um novo valor à peça e foi de longe a melhor que ouvi. Ele parecia ter já criado uma personagem dimensional, do género que a guerra produziu entre os jovens veteranos. Este é um valor que vai muito além de tudo aquilo com que Garfield podia ter contribuído e, para além dos dotes de actor, possui ainda uma extraordinária atracão física e sensualidade, pelo menos tão grande como a de Burt Lancaster.”
A personagem do brutal marido de Stella na obra-prima de Tennessee Williams, que interpretou durante dois anos na Broadway, lança-o definitivamente no sucesso. Entretanto ainda apareceu em “Candida”, de George Bernard e “A Flag Is Born”, uma peça de Ben Hecht, sobre a fundação do estado de Israel.
Por esta altura, impressionado pelas imagens que vai vendo e as notícias que lhe chegavam dos campos de concentração nazis, junta-se à “The American League for a Free Palestine” (Liga Americana para uma Palestina Livre) e recolhe fundos para o movimento judeu clandestino. Havia dois movimentos que actuavam por forma diferenciada, um mais legalista, dirigido pelo leader histórico David Ben-Gurion, outro mais radical, roçando o terrorismo, que tinham como dirigentes mais conhecidos Stern Gang e Irgun Zvai Leumi. Marlon Brando aderiu a estes últimos, embora sentindo alguma simpatia por Ben-Gurion. Data desta época o início da sua actividade política em prol dos direitos humanos, contra o racismo de qualquer espécie e a favor especificamente dos índios americanos.
Entretanto, estreia-se no cinema em 1950, em “The Men”, de Fred Zinnemann, ao lado de Teresa Wright, num papel que à partida não se imaginaria entregue ao recém-criado “sex symbol” que apaixonara Nova Iorque no teatro. Mas a verdade é que Brando é um paraplégico, preso a uma cama ou a uma cadeira de rodas. 
Ken Wilocek, um jovem tenente do exército, é um entre vários inválidos que se encontra num hospital de veteranos na Califórnia. O filme tinha um argumento forte e dramático de Carl Foreman e era uma produção de Stanley Kramer. Marlon Brando, para adquirir alguma experiência como paraplégico, fez-se admitir no Birmingham Vererans Hospital, no sul da Califórnia, onde passou três semanas ambientando-se ao tipo de vida e hábitos dos doentes, sem que tanto pessoal como enfermos tenham sido informados. Apenas alguns sabiam que se tratava de um actor. Foi o início de uma carreira brilhante, com algumas dezenas de filmes inesquecíveis.

Filmografia
1. Como Actor
1950: The Men ou “Battle Stripe” (O Desesperado), de Fred Zinnemann
1951: A Streetcar Named Desire (Um Eléctrico Chamado Desejo), de Elia Kazan
1952: Viva Zapata! (Viva Zapata!), de Elia Kazan
1953: Julius Caesar ou “William Shakespeare's Julius Caesar” (Júlio César), de Joseph L. Mankiewicz
1953: The Wild One (O Selvagem), de László Benedek
1954: On the Waterfront (Há Lodo No Cais), de Elia Kazan
1954: Desirée (Desirée, O Primeiro Amor de Napoleão), de Henry Koster
1955: Guys and Dolls (Eles e Elas), de Joseph L. Mankiewicz
1956: The Teahouse of the August Moon (A Casa de Chá do Luar de Agosto), de Daniel Mann
1957: Sayonara (Sayonara), de Joshua Logan
1958: The Young Lions (Os Jovens Leões), de Edward Dmytryk
1959: The Fugitive Kind (O Homem na Pele da Serpente), de Sidney Lumet
1961: One-Eyed Jacks (Cinco Anos Depois), de Marlon Brando
1962: Mutiny on the Bounty (Revolta na Bounty), de Lewis Milestone, Carol Reed (não creditado)
1963: The Ugly American (Sua Excelência, o Embaixador), de George Englund
1964: Bedtime Story (Os Sedutores), de Ralph Levy
1965: Morituri ou “The Saboteur, Code Name Morituri” (Morituri), de Bernhard Wicki
1966: The Chase (Perseguição Impiedosa), de Arthur Penn
1966: The Appaloosa ou “Southwest to Sonora” (Um Homem sem Medo), de Sidney J. Furie
1967: A Countess from Hong Kong (A Condessa de Hong Kong), de Charles Chaplin
1967: Reflections in a Golden Eye (Reflexos num Olho Dourado), de John Huston
1968: Candy ou “Candy e il suo pazzo mondo” (Candy), de Christian Marquand
1968: The Night of the Following Day (A Noite do Último Dia), de Hubert Cornfield
1969: Queimada (Queimada), de Gillo Pontecorvo
1972: The Nightcomers (Os Perversos), de Michael Winner
1972: The Godfather (O Padrinho), de Francis Ford Coppola
1972: Ultimo Tango a Parigi ou “Last Tango in Paris” ou “Le Dernier Tango à Paris” (O Último Tango em Paris), de Bernardo Bertolucci
1976: The Missouri Breaks (Duelo no Missouri), de Arthur Penn
1978: Superman ou “Superman: The Movie” (Super-Homem, o Filme), de Richard Donner
1979: Apocalypse Now (1979) Apocalypse Now Redux (2001) (Apocalipse Now e Apocalipse Now Redux), de Francis Ford Coppola
1979: Roots: The Next Generations (Raizes: A Próxima Geração), de Lloyd Richards, John Erman, Charles S. Dubin, Georg Stanford Brown (mini-série para TV)
1980: The Formula (A Fórmula), de de John G. Avildsen
1989: A Dry White Season, de Euzhan Palcy
1990: The Freshman (O Caloiro da Máfia), de Andrew Bergman
1992: Christopher Columbus: The Discovery (Cristovão Colombo: A Descoberta), de John Glen
1992: The Godfather Trilogy (O Padrinho – A Trilogia), de Francis Ford Coppola
1995: Don Juan DeMarco (Don Juan de Marco), de Jeremy Leven
1996: The Island of Dr. Moreau (A Ilha do Dr. Moreau), de John Frankenheimer, Richard Stanley (não creditado, despedido e substituido por John Frankenheimer)
1997: The Brave (O Bravo), de Johnny Depp
1998: Free Money, de Yves Simoneau
2001: The Score (Sem Saída), de Frank Oz, Robert De Niro (não creditado)
2006: Big Bug Man, de Bob Bendetson, Peter Shin

2. Como Realizador
1961: One-Eyed Jacks (Cinco Anos Depois), de Marlon Brando

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