domingo, 13 de outubro de 2013

SESSÃO 5 (DUPLA): 4 DE NOVEMBRO DE 2013


UMA NOITE NA ÓPERA (1935)

Ainda não tinham terminado o seu contrato com a Paramount e já os Marx tinham um novo contrato, com a MGM, assinado por ordem de Irving Thalberg, aquele que terá sido o maior produtor norte-americano desta época e que deixou na Metro a marca da sua exigência de qualidade e rigor. De toda a forma, a visão de Thalbeg em relação ao humor dos Marx teve algumas consequências directas na formulação dos seus filmes seguintes.
Nas cinco obras que a Paramount assegurou, duas das quais retiradas directamente de “vaudevilles”, os Irmãos Marx tinham sido deixados à solta, o seu humor é caótico, as histórias quase inexistentes, o filme avança com base em “números” quase desligados entre si, imperava uma anarquia saudável que transformava estes filmes em objectos únicos e incontroláveis. Com Thalberg, os Marx vão encaixar o seu humor numa estrutura especialmente concebida para os receber, é certo, mas que de alguma forma controla igualmente os seus movimentos. Há uma história, por muito ténue que seja, há um maior suporte a nível de elenco, para dar resposta aos Marx, há uma exigência de momentos sentimentais e musicais para criar oscilações na curva dramática do enredo. Tenta controlar-se o humor, por forma a este ser melhor assimilado pelo público, com pausas para descanso e áreas de relaxe com números musicais de grande efeito. Procura-se sobretudo tornar os Marx personagens “simpáticas”, em oposição a vilões mais declarados, o que acaba por funcionar sempre.
“A razão por que mudámos, no nosso humor, de anarquistas para semi-adoráveis, foi simplesmente uma questão de dinheiro. Nos nossos primeiros filmes éramos, como mencionou, hilariantemente cómicos, e deitávamos abaixo os valores e costumes sociais do nosso tempo, mas a cada novo filme as receitas de bilheteira des­ciam mais um bocado.
Conta Groucho: “O nosso último filme anarquista (para utilizar a sua terminolo­gia) foi “Duck Soup”. A seguir assinámos com Irving Thalberg, que nos disse: “É claro que quero que continuem a ser cómicos, mas se, algures no guião, calhar ajudarem alguém, o público gostará mais de vocês e os vossos filmes serão financeiramente melhor suce­didos.” “Duck Soup” facturou 1 250 000 dólares, enquanto” A Night at the Opera”, o nosso primeiro filme para Thalberg (realizado sob o signo da afabilidade), rendeu quase 5 000 000 dólares. Em conclusão, o nosso público não nos deixou cair. Nós é que o deixámos cair a ele. Os filmes tornaram-se simplesmente dema­siado duros de fazer fisicamente e decidimos retirar-nos para pas­tagens mais verdes e confortáveis.” Assim escreveu Groucho Marx, em resposta a uma crítica de Al Capp, NBC Estúdios Sunset Vine, Hollywood, num texto aparecido no “Los Angeles Mirror”, de 15 de Fevereiro de 1961, e reproduzido em “Histórias Curtas e Grossas.”


O primeiro filme a beneficiar deste tratamento foi “Uma Noite da Ópera”, um dos títulos de nobreza de Irving Thalberg, ao lado “Mutiny on the Bounty” (1935), “China Seas” (1935), “San Francisco” (1936), ou “Romeo and Juliet” (1936). Falemos então de “Uma Noite na Ópera”, uma realização de Sam Wood (e Edmund Goulding, este não creditado), com argumento de James Kevin McGuinness (história), George S. Kaufman, Morrie Ryskind, Al Boasberg (diálogos), Arthur Freed, Ned Washington (letra das músicas) e a colaboração (igualmente não creditada) de Buster Keaton.
Em Itália, numa das mais prestigiadas salas de ópera, prepara-se a temporada com o apoio da filantrópica Mrs. Claypool (Margaret Dumont, a quem muitos chamam, com alguma razão o quinto Marx), que está disposta a funcionar como mecenas, ofertando mil dólares por cada representação do emproado e vingativo tenor Rudolpho Lassparri (Walter Woolf King). Otis B. Driftwood (Groucho Marx), Fiorello (Chico Marx) e Tomasso (Harpo Marx) andam por ali com funções diversas, mas atentos às malfeitorias de Lassparri, que pretende “prender” a si Rosa Castaldi (Kitty Carlisle), com a possibilidade de ser ela a sua “partenaire” na digressão à América, em detrimento do galã de serviço, Ricardo Baroni (Allan Jones). Acontece que o par amoroso está protegido pela presença dos Irmãos Marx, que tudo fazem para derrubar a prepotência do tiranete operático. No final, triunfam os puros de coração, ainda que pelos processos mais ínvios. Mas os Marx nunca se intimidaram com o politicamente correcto para desmascarar o que há a desmascarar. Eles não têm pejo de utilizar o ilegal para combater a fraude.
Os três Marx estão já dentro do navio que parte da Europa para a América. Groucho vê os marinheiros arredarem a escada que liga o navio ao cais e pergunta: "Acha que ainda tenho tempo de ir pagar a minha conta ao hotel?" "Não", respondem-lhe."Ainda bem!"
Groucho, a bordo do paquete, depois de ter pedido para si um lauto jantar que daria para dez pessoas, pergunta ao empregado: "Está autorizado a receber gorjetas?" "Sim, estou" "Tem duas notas de dois dólares?" "Tenho sim senhor!" "Bem, então não precisa dos 10 cêntimos que lhe podia dar".
Groucho, ainda, num jantar dado em honra de três aviadores famosos, dirige-se a uma senhora: "Dança a Rumba?" "Danço!" "Então, vá dançar!"
Este é  o tipo de humor que os filmes dos Marx continuam a oferecer na MGM. Por esse lado, nada foi adocicado.


Convém dizer que "Uma Noite na Ópera" data de 1935, que Ionesco vem ainda longe e que o teatro do absurdo, se lançara já as suas raízes, ainda não encontrara ninguém  que se lembrasse de assim o chamar. No cinema, contudo, os irmãos Marx inventavam um tipo de comédia destruidora, perfeitamente louca, anárquica, construída, paradoxalmente, na base da lógica. Sim, porque tudo o que acontece em “Uma Noite na Ópera” não apresenta contestação possível no campo da lógica. A não ser, claro, o facto de esta ser assumida a todos os níveis, levada até ao extremo dos extremos. Aí, a lógica degrada-se num sem-sentido aparente (o “non-sense”), que permite, destruindo,  reencontrar o valor das palavras e dos actos. Esse papel purificador foi desempenhado  por Chico, Groucho  e Harpo de forma magistral, em quase toda a sua obra cinematográfica, que preenche a década de 30.
Em “Uma Noite na Ópera”, como em toda a obra dos Marx, assistimos a essa degradação das convenções por duas vias igualmente importantes e significativas: uma via verbal (que se fica devendo essencialmente à verve de Groucho, que tudo deteriora: um exemplo, o contrato firmado entre Groucho e Chico, ambos não sabendo ler e camuflando essa deficiência com a supressão progressiva das alíneas do contrato) e uma via, digamos, "física" (isto é, destruindo os objectos, quer pelo uso anormal que deles fazem, quer ainda pela sua simples aniquilação material).
O humor dos irmãos Marx cota-se assim entre as mais importantes conquistas do cinema de todos os tempos,  não só do cinema como de toda a forma anti-convencional do comportamento humano. Os surrealistas saudaram neles a agressividade crítica que não olha a meios para atingir os fins, e os fins para eles eram sempre claros, definidos e concretos: arrasar pelos alicerces as convenções de uma sociedade anquilosada e moribunda, assente em injustiças e prepotências. A sua passagem pelos filmes que interpretaram fica sempre assinalada por um cortejo inumerável de actos de verdadeiro terrorismo intelectual.
Senão, atente-se, como exemplo, nas sequências finais deste “Uma Noite na Ópera” onde, em alguns minutos geniais, três actores voltam literalmente do avesso toda a arquitectura de um espectáculo cénico, despindo-o de uma carpintaria inerte, insuflando-lhe novas energias, revigorando-o. Mas, para tanto, para que uma nova ópera pudesse existir, os três Marx reviraram por inteiro a antiga estrutura. Destruíram os cenários, despiram os actores, apagaram as luzes, lutaram contra a polícia que os queria prender, fugiram dos empresários, dos detectives, raptaram o tenor "canalha" e no seu lugar colocaram aquele a quem davam o seu aplauso (e que viria a saber-se, depois, ser aquele que o público preferia). Esta inversão total de valores, esta adesão incondicional ao anti-conformismo era uma das maiores qualidades do cómico admirável desses três actores (et pour cause!, hoje clássicos!) que foram os irmãos Marx. A outra qualidade não menos admirável era o talento multifacetado, deslumbrante de subtileza e de graça (que por vezes roçava a grosseria, e quase sempre a provocação como no caso de Groucho e das suas declarações amorosas).


“Uma Noite na Ópera” foi um tremendo sucesso de público e de crítica e é hoje considerado como o melhor filme dos Marx por uma boa parte dos estudiosos da sua obra (a outra parte prefere, como já vimos “Duck Soup”, correspondendo cada uma delas a uma linha orientadora do seu cinema, uma mais anarquizante, outra mais assimilada ao cinema “mainstream”.
Há algumas cenas inesquecíveis: Mrs. Claypool (Margaret Dumont) espera num restaurante de Milão pela chegada de Otis B. Driftwood (Groucho Marx) que a convidara para jantar. Quando o descobre, sentado numa mesa atrás de si, a almoçar com uma bela jovem, fica desesperada e protesta: “Estou aqui à sua espera desde as sete” “Sim, responde Otis B. Driftwood, mas quando convido alguém para jantar é para a ter à minha frente, e não nas costas. É o preço que deve pagar.”
Sai da mesa onde acabara de jantar, pega na conta, proclama bem alto: “9.40 dólares? Isto é um ultraje! Se fosse a si não pagava!” E deixa a jovem sozinha com a conta para pagar.
Entretanto Mrs. Claypool queixa-se por ter contratado Mr. Driftwood, há três meses, para a apresentar à sociedade italiana, e nada sucedera entretanto. A não ser gastar um avultado salário. Mas Driftwood afiança, entre outras coisas que a ama, ao que Mrs. Claypool responde que desconfia, depois de “o ver a jantar com aquela mulher.”
Driftwood: Aquela mulher? Sabe por que estava com ela? Ela faz-me lembrar de si. Os seus olhos, o seu pescoço, os seus lábios, tudo nela me faz lembrar de si. Excepto você.”
De partida para a América, com destino à New York Opera Company, segue a troupe toda com alguns clandestinos pelo meio. Entretanto, Driftwood contrata um tenor, por 10 dólares a noite, mas quer 10% de percentagem pelo acordo, e Fiorello pede outro tanto como agente. Ficam 8 dólares, donde o cantor vai retirar 5 para mandar para a mãe.
Driftwood: Fica com 3 dólares para ele.
Fiorello: Pode viver em Nova Iorque com 3 dólares?
Driftwood: Como um príncipe. Se não comer, vive como um príncipe. Claro que desses 3 dólares ainda tem de retirar o imposto de lucro… e o imposto federal, o imposto do Estado, o imposto da cidade, o imposto de rua… Se não cantar muitas vezes, acho que se safa.


Uma das cenas mais célebres desta obra é a do “Classic Contract”, quando Driftwood estende uma cópia do contrato do tenor a Fiorello, este informa-o que não pode ler e Driftwood irá lê-lo pelos dois: 
Driftwood: All right, fine. Now here are the contracts. You just put his name at the top and you sign at the bottom. There's no need of you reading that because these are duplicates.
Fiorello: Yeah, they's a duplicates.
Driftwood: I say they're duplicates.
Fiorello: Why sure they's a duplicates...
Driftwood: Don't you know what duplicates are?
Fiorello: Sure. There's five kids up in Canada.
Driftwood: Well, I wouldn't know about that. I haven't been to Canada in years. Well go ahead and read it.
Fiorello: What does it say?
Driftwood: Well, go on and read it!
Fiorello: You read it.
Driftwood: All right, I'll read it to you. Can you hear?
Fiorello: I haven't heard anything yet. Did you say anything?
Driftwood: Well, I haven't said anything worth hearing.
Fiorello: Well, that's-a why I didn't hear anything.
Driftwood: Well, that's why I didn't say anything.
Fiorello: Can you read it?
Driftwood: I can read but I can't see it. I don't seem to have it in focus here. If my arms were a little longer, I could read it. You haven't got a baboon in your pocket, have ya? Here, here, here we are. Now I've got it. Now pay particular attention to this first clause because it's most important. It says the, uh, "The party of the first part shall be known in this contract as the party of the first part." How do you like that? That's pretty neat, eh?...
Fiorello: No, it's no good.
Driftwood: What's the matter with it?
Fiorello: I dunno. Let's hear it again.
Driftwood: It says the, uh, "The party of the first part shall be known in this contract as the party of the first part."
Fiorello: (fazendo pausa) That sounds a little better this time.
Driftwood: Well, it grows on ya. Would you like to hear it once more?
Fiorello: Uh, just the first part.
Driftwood: Whaddaya mean? The...the party of the first part?
Fiorello: No, the first part of the party of the first part.
Driftwood: All right. It says the, uh, "The first part of the party of the first part shall be known in this contract as the first part of the party of the first part shall be known in this contract" - Look, why should we quarrel about a thing like this? We'll take it right out, eh?
Fiorello: Yeah, ha, it's-a too long, anyhow. (cortam tiras ao contrato) Now, what do we got left?
Driftwood: Well, I got about a foot and a half. Now, it says, uh, "The party of the second part shall be known in this contract as the party of the second part."
Fiorello: Well, I don't know about that...
Driftwood: Now what's the matter?
Fiorello: I no like-a the second party, either.
Driftwood: Well, you shoulda come to the first party. We didn't get home 'til around four in the morning...I was blind for three days!
Fiorello: Hey, look, why can't-a the first part of the second party be the second part of the first party? Then-a you got something.
Driftwood: Well, look, uh, rather than go through all that again, whaddaya say?
Fiorello: Fine. (mais um corte no contrato).
Driftwood: Now, uh, now I've got something you're bound to like. You'll be crazy about it.
Fiorello: No, I don't like it.
Driftwood: You don't like what?
Fiorello: Whatever it is. I don't like it.
Driftwood: Well, don't let's break up an old friendship over a thing like that. Ready?...
Fiorello: OK. (outra parte do contrato é cortada). Now the next part, I don't think you're gonna like.
Driftwood: Well, your word's good enough for me. (mais um corte). Now then, is my word good enough for you?
Fiorello: I should say not.
Driftwood: Well, that takes out two more clauses. (dois cortes). Now, "The party of the eighth part..."
Fiorello: No, that's-a no good. (Rasgando) No.
Driftwood: "The party of the ninth part..."
Fiorello: No, that's-a no good too. (Rasgando de novo, ficando apenas duas tirinhas de papel) Hey, how is it my contract is skinnier than yours?
Driftwood: Well, I don't know. You musta been out on a tear last night. But anyhow we're all set now, aren't we?
Fiorello: Oh sure.
Driftwood: (oferece a caneta a Fiorello para este assinar) Now just, uh, just you put your name right down there and then the deal is, is, uh, legal.
Fiorello: I forgot to tell you. I can't write.
Driftwood: (imperturbável) Well, that's all right, there's no ink in the pen anyhow. But listen, it's a contract, isn't it?
Fiorello: Oh sure.
Driftwood: We got a contract...
Fiorello: You bet.
Driftwood: ...no matter how small it is.
Fiorello: Hey, wait, wait. What does this say here? This thing here.
Driftwood: Oh, that? Oh, that's the usual clause. That's in every contract. That just says uh, it says uh, "If any of the parties participating in this contract is shown not to be in their right mind, the entire agreement is automatically nullified."
Fiorello: Well, I dunno.
Driftwood: It's all right, that's, that's in every contract. That's, that's what they call a 'sanity clause.'
Fiorello: Ha, Ha, Ha. Ha. Ha. You can't fool me. There ain't no Sanity Clause!
Driftwood: Well, you win the white carnation.
Fiorello: I give this to the cows.



Outras das sequências mais famosas de “Uma Noite na Ópera”, e de toda a história da comédia cinematográfica, é a que se passa na minúscula cabine nº 58, onde se instala Driftwood, sequência essa que contou na sua concepção com a colaboração de Buster Keaton, na altura escritor de “gags” na MGM.
Driftwood chega, empurrado por dois empregados do navio, sentado sobre um malão que quase não consegue entrar no minúsculo cubículo da cabine 58. Dentro do malão viajam, clandestinos, Fiorello, Tomasso e Ricardo Baroni. Tomasso dorme no interior de uma das gavetas. “Não o acorde, que tem insónias.” Driftwood espera a visita de Mrs. Claypool e, por isso, quer ficar só. Mas não o consegue, apesar da promessa de Fiorello de que “ninguém diria nada”.
Há que alimentar toda essa gente, esfomeada e Driftwood chama o “room service” do paquete, para encomendar o jantar:
Driftwood: I say Stew...
Steward: Yes, sir.
Driftwood: What have we got for dinner?
Steward: Anything you like, sir. You might have some tomato juice, orange juice, grape juice, pineapple juice...
Driftwood: Hey - turn off the juice before I get electrocuted. All right, let me have one of each. And, uh, two fried eggs, two poached eggs, two scrambled eggs, and two medium-boiled eggs.
Fiorello (pedindo através da porta): And two hard-boiled eggs.
Driftwood: And two hard-boiled eggs.
Tomasso (assinalando o pedido de outro ovo, com a buzina): HONK!
Driftwood: Make that three hard-boiled eggs...and, uh, some roast beef: rare, medium, well-done, and overdone.
Fiorello (repete o pedido): And two hard-boiled eggs.
Driftwood: And two hard-boiled eggs.
Tomasso: HONK (assinalando o pedido de outro ovo)!
Driftwood: Make that three hard-boiled eggs....and, uh, eight pieces of French pastry.
Fiorello (repete o pedido): And two hard-boiled eggs.
Driftwood: And two hard-boiled eggs.
Tomasso: HONK!
Driftwood: Make that three hard-boiled eggs.
Tomasso: HONK! (uma pequena buzinadela)
Driftwood: And one duck egg. Uh, have you got any stewed prunes?
Steward: Yes, sir.
Driftwood: Well, give 'em some black coffee, that'll sober 'em up!
Fiorello (repetino o pedido, pela quarta vez): And two hard-boiled eggs.
Driftwood: And two hard-boiled eggs.
Driftwood volta para dentro da cabine: “Se este empregado for surdo e mudo, nunca ninguém saberá que vocês estão aqui.”
Driftwood, Fiorello, Riccardo e Tomasso (sempre a dormir) ocupam a acanhada cabine. Mas eis que tocam à porta duas criadas de quarto, para tratarem de arrumar o interior da cabine. Driftwood: "Come on in, girls, and leave all hope behind." A seguir surge uma manicure, a quem Driftwood pede “para cortar as unhas curtas” (para assim, não ocuparem muito espaço!). Entra um canalizador, e a seguir uma jovem que procura pela Tia Minnie e pede para usar o telefone. Driftwood: "Pode entrar e procurar por aí, se quiser. Se não a encontrar, talvez encontre alguém que lhe sirva." Entra uma mulher da limpeza, determinada, a mastigar pastilha elástica, que vem passar a esfregona. (“Precisamente a mulher de quem eu andava à procura. Entre, entre. Tem de começar pelo tecto. É o único sítio livre. E diga aí à Tia Minnie que mande um quarto maior, está bem?) Finalmente, em caravana, surgem vários empregados trazendo tabuleiros com o jantar e dúzias de ovos. Entram todos e a câmara coloca-se do lado de fora da cabine, esperando a chegada de Mrs. Claypool que, ao abrir a porta, precipita no corredor com dúzia e meia de enlatadas personagens.

Finalmente, na impossibilidade de referir todos os momentos de humor e de grande espectáculo, saliente-se ainda o belíssimo número musical, a bordo do transatlântico, depois de ter dado ao grupo um novo ataque de fome que o leva a invadir o convés e a misturar-se com os demais hóspedes, onde abundava a comida italiana. Riccardo vai cantar "Cosi-Cosa", seguindo-se um solo de piano de Fiorello, com Tomasso preparando-se para ficar com o piano, transformá-lo numa harpa e introduzir de novo o tema "Alone."

UMA NOITE NA ÓPERA
Título original: A Night at the Opera
Realização: Sam Wood e Edmund Goulding (este último não creditado) (EUA, 1935); Argumento: James Kevin McGuinness (história), George S. Kaufman, Morrie Ryskind, Al Boasberg (diálogos), Arthur Freed, Ned Washington (letra das músicas) e a colaboração de Buster Keaton; Música: Nacio Herb Brown, Walter Jurmann, Bronislau Kaper, Herbert Stothart e Ruggero Leoncavallo ("I Pagliacci"), Giuseppe Verdi ("Vedi! le fosche notturno spoglie" da ópera "Il Trovatore"); Coreógrafo: Chester Hale; Director de Fotografia (p/b): Merritt B. Gerstad; Montagem: William LeVanway; Design de produção: Ben Carré; Direcção artística: Cedric Gibbons; Decoração: Edwin B. Willis; Maquilhagem: Robert J. Schiffer; Assistentes de realização: Lesley Selander; Departamento de arte: Ben Carré, Edwin B. Willis, Harry Albiez; Som: Douglas Shearer, James Brock, M.J. McLaughlin, William Steinkamp, Michael Steinore; Coreógrafo: Chester Hale; Guarda-Roupa: Dolly Tree; Produção: Irving Thalberg, Ben Carré. (Metro Goldwing Mayer); Intérpretes: Groucho Marx (Otis B. Driftwood), Chico Marx (Fiorello), Harpo Marx (Tomasso), Kitty Carlisle (Rosa Castaldi), Allan Jones (Ricardo Baroni), Walter Woolf King (Rudolpho Lassparri), Sig Ruman (Herman Gottlieb), Margaret Dumont (Mrs. Claypool), Edward Keane (Capitão), Robert Emmett O'Connor (Detective Henderson), Harry Allen, Marion Bell, Edna Bennett, Stanley Blystone, Al Bridge, Loie Bridge, Lorraine Bridges, Gino Corrado, Gennaro Curci, Olga Dane, Bill Days, Jay Eaton, Otto Fries, Bud Geary, Billy Gilbert, William Gould, George Guhl, Jonathan Hale, Oscar 'Dutch' Hendrian, Luther Hoobyar, Rodolfo Hoyos Jr., George Irving, Selmer Jackson, Jack 'Tiny' Lipson, Wilbur Mack, Fred Malatesta, Jerry Mandy, Inez Palange, Claude Payton, Purnell Pratt, Hal Price, Rolfe Sedan, Evelyn Selbie, Phillips Smalley, Harry Tyler, Ellinor Vanderveer, Zuke Welch, Leo White, James J. Wolf, Frank Yaconelli, King Baggot, Olga Dane, Bill Days, Jay Eaton, Bess Flowers, Otto Fries, Bud Geary, Billy Gilbert, William Gould, George Guhl, Edmund Mortimer, Rita, Rubin, etc. Duração: 96 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Warner Brothers; Classificação etária: M/ 6 anos.

SAM WOOD (1883 – 1949)
Samuel Grosvenor Wood nasceu a 10 de Julho de 1888, em Philadelphia, Pensilvânia, EUA, e viria a falecer a 22 de Setembro de 1949, com 66 anos, em Hollywood, Califórnia, EUA.
Iniciou a sua carreira no cinema como assistente de Cecil B. DeMille, depois de ter trabalhado numa empresa petrolífera. Foi actor, aparecendo sob o nome de Chad Applegate. Trabalha durante anos na Paramount, já como realizador, e depois na MGM, até 1939. É um sólido realizador que todavia não ultrapassa a mediania, ate que, se cruza com os Irmãos Marx, em “Uma Noite na Ópera” (1935) e “Um Dia nas Corridas” (1937). Mas Groucho Marx acha-o “rígido e com falta de humor”, o que torna difícil a convivência. Sam Wood teve, aliás, atitudes que não o tornaram muito simpático no meio da indústria cinematográfica, como o seu testemunho perante o comité das Actividades Anti-Americanas. Foi presidente da “Motion Picture Alliance for the Preservation of American Ideals”, uma instituição de direita radical. Entretanto, dirigiu alguns filmes interessantes, como “Adeus, Mr. Chips” (1939), “Kitty - A Rapariga da Gola Branca” (1940), “Em Cada Coração Um Pecado” (1942), com Ronald Reagan, ou “Por Quem os Sinos Dobram” (1943), segundo Hemingway. Casou com Clara L. Roush (1908 - 1949).

Filmografia
1920: Her First Elopement, Her Beloved Villain, A City Sparrow, What's Your Hurry?, Sick Abed, The Dancin' Fool, Excuse My Dust, Double Speed; 1921: Don't Tell Everything, Under the Lash, The Great Moment, Peck's Bad Boy (Miudinho não Tem Emenda), The Snob; 1922: My American Wife, The Impossible Mrs. Bellew, Beyond the Rocks, Her Gilded Cage, Her Husband's Trademark; 1923: His Children's Children, Bluebeard's Eighth Wife, Prodigal Daughters; 1924: The Mine with the Iron Door, The Female, Bluff, The Next Corner; 1925: The Re-Creation of Brian Kent; 1926: One Minute to Play, Fascinating Youth; 1927: The Fair Co-Ed (Loira Caloira), A Racing Romeo, Rookies (A Pequena Parada); 1928: Telling the World (O Rei dos Repórteres), The Latest from Paris (A Última Moda de Paris); 1929: It's a Great Life (A Grande Vida), So This Is College, A Raínha Kelly (não creditado);

1930: They Learned About Women                               
1930: The Girl Said No                         
1930: Way for a Sailor (não creditado)
1930: The Sins of the Children (não creditado)
1930: Paid (Dentro da Lei)                                
1931: A Tailor Made Man                                  
1931: The Man in Possession (não creditado)                  
1931: New Adventures of Get Rich Quick Wallingford (O Rei dos Vigaristas)
1932: Huddle (O Estudante Irresistível) (não creditado)              
1932: Prosperity (não creditado)                       
1933: The Barbarian (A Canção do Nilo)                        
1933: Hold Your Man (O Seu Homem) (não creditado)                            
1933: Christopher Bean                        
1934: The Cat and the Fidlle (O Gato e o Violino) (não creditado)
1934: Hollywood Party (Hollywood em Festa) (não creditado)
1934: Stamboul Quest (Missão Secreta)
1935: Let 'em Have It (Caras Falsas)
1935: The Girl from Missouri Uma Boca para Beijar (não creditado)
1935: A Night at the Opera (Uma Noite na Ópera)                                  
1935: Rendezvous (Código Secreto) (não creditado)                   
1935: Whipsaw (A Mulher das Pérolas)
1936: The Unguarded Hour (Horas Inconfessáveis)                                 
1937: A Day at the Races (Um Dia nas Corridas)
1937: Madame X (A Primeira Causa)                             
1937: Navy Blue and Gold (Os Rapazes da Marinha)                               
1937: The Good Earth Terra Bendita (não creditado)
1938: Lord Jeff
1938: Stablemates (Companheiros da Rua)                                
1939: Goodbye, Mr. Chips (Adeus, Mr. Chips)
1939: Raffles   
1939: Gone with the Wind (E Tudo o Vento Levou) (não creditado)
1940: Our Town (A Nossa Cidade
1940: Rangers of Fortune (Figuras do Mesmo Naipe)       
1940: Kitty Foyle (Kitty - A Rapariga da Gola Branca)
1941: The Devil and Miss Jones (O Diabo e a Menina)
1942: Kings Row (Em Cada Coração Um Pecado)
1942: The Pride of the Yankees (O Ídolo)
1943: For Whom the Bell Tolls
1944: Casanova Brown (O Moderno Casanova)
1945: Guest Wife (Elas na Intimidade)
1945: Saratoga Trunk (Saratoga)
1946: Heartbeat (Um Coração em Perigo)
1947: Ivy (Lábios Que Envenenam)                    
1948: Command Decision (Sublime Decisão)
1949: The Stratton Story (Tenacidade)
1950: Ambush   (Armadilha)


MARX BROTHERS
Seis foram os irmãos Marx, mas apenas cinco sobreviveram à infância. Um deles, Manfred, nasceu em 1885, mas morreu pouco depois (1988?, de tuberculose?). Teria sido o mais velho da troupe, se tivesse sobrevivido. Os outros seguiram-se a um bom ritmo de parto: Chico (Leonard, 21 de Março de 1887-11 de Outubro de 1961, vítima de arteriosclerose), Harpo (primeiramente Adolph, depois mudou o nome para Arthur, 23 de Novembro de 1888 - 28 de Setembro de 1964, após operação ao coração), Groucho (Julius Henry, 2 de Outubro de 1890 - 19 de Agosto de 1977), Gummo (23 de Outubro de 1892 - 21 de Abril de 1977), e Zeppo, (Herbert, 25 de Fevereiro de 1901 - 30 de Novembro de 1979, de cancro).
Como se viu, nenhum deles ficou conhecido pelo nome de baptismo, e todos nasceram em Nova Iorque, filhos de um casal de judeus, emigrantes. A mãe, alemã, chamava-se Minnie Schoenberg, nascera em Dornum (9 de Novembro de 1864), e o pai, francês alsaciano, Samuel "Frenchie" Marx (nascera em 1861, e o seu verdadeiro nome era todavia Simon Marrix).
A família era dada às artes do espectáculo, a mãe fora actriz antes de viajar para os EUA, mas a carreira ficou truncada, de início, pelo idioma inglês que desconhecia. De qualquer maneira não deixou de incentivar os filhos no caminho do teatro, da música e sobretudo do “vaudeville.” Todos tinham talentos próprios que desenvolveram desde miúdos, Harpo especializara-se na harpa, mas podia tocar quase qualquer instrumento, Chico foi um excelente pianista, Groucho tocava violão. Por aí começaram, quando o tio, Al Shean, que já actuava profissionalmente, fazendo parte da dupla “Gallagher and Shean”, os incitou a entrarem para o “vaudeville”.
Em 1905, Groucho estreia-se como cantor. Antes já fizera aparições em jardins de cerveja, mas é de 25 de Dezembro de 1905 a primeira referência pública ao seu humor e voz. Apareceu no “The Dallas Morning News” e referia-se a um Master Marx. O Master Marx que contracenava com Lily Sevelle em “Lile Seville and the Master Marx.”. Em 1907, Groucho, Gummo e Mabel O'Donnell cantavam juntos e eram conhecidos como o trio “The Three Nightingales” (Os Três Rouxinois). No ano seguinte Harpo juntou-se. O grupo não parava de crescer. Em 1910, Minnie, que entretanto já dominava suficientemente o inglês, entrou para o grupo, acompanhada da tia Hannah Schickler. Passaram a ser os “The Six Mascots”. Diz a lenda que uma noite em que actuavam no teatro de Nacogdoches, uma localidade do Texas, a barulheira vindo de fora da sala levou os espectadores a abandonar a representação para virem acalmar uma mula descontrolada. Aplacado o animal, o mesmo não se passou com Groucho, que achou de mau tom a debandada e se preparou para descarregar a bílis sobre o público. Furioso com a interrupção, disse que "Nacogdoches estava cheia de baratas" e outros mimos tais. Esperava ser corrido de cena, mas os espectadores riram a bom rir e ficaram satisfeitos com a sova pública. “The Six Mascots” pensaram que afinal nem só de música e de belas vozes vive o show business e resolveram investir no humor. A partir daí o humor iria ter um papel cada vez mais importante nos seus shows.


O lado “rouxinol” ia mantendo-se, mas cada vez havia mais situações de comédia até se inverter a questão: agora já eram episódios de humor cada vez mais sequenciais, interrompidos por uma ou outra canção. Numa sala de aulas, Groucho era o professor, com os restantes membros da pandilha como alunos. As plateias riam e o percurso do grupo ia estabelecendo notoriedade e prestígio. 1912 foi o ano desse seu primeiro “sketch” cómico-musical. Chamava-se “Fun in Hi Skule”, era interpretado pelos quatro Marx, e ainda Paul Yates e outros actores. Groucho mantinha-se o Master de uma turma muito indisciplinada. Meia hora de humor corrosivo que iria deixar marcas. Em 1913, “Mr. Green's Reception” é uma continuação deste sucesso, e “Home Again”, em 1914, prolonga o sucesso, sendo uma segunda parte de “Mr. Green's Reception”.
A 22 de Março de 1917, Chico casa com Betty Carp e no ano seguinte, 1918, ainda durante a I Guerra Mundial, Gummo alista-se e parte para a Europa com a justificação de que "Qualquer coisa é melhor que ser actor!". Zeppo foi então substitui-lo nos últimos anos da sua carreira teatral, ainda brilhou na Broadway e depois nos primeiros filmes dos Marx, na Paramount. 1918 é ano de “The Cinderella Girl”, um musical escrito por Jo Swerling com música de Gus Kahn.
É por essa altura que aparecem “The Four Marx Brothers”, iniciando-se a definição de personagens e exercitando as situações que se irão tornar a marca do grupo: Groucho começa a usar um intenso bigode pintado; Harpo deixa de falar e utiliza buzinas de bicicleta para se comunicar e Chico ensaia  um inglês italianizado que vai buscar aos seus vizinhos e bairro, todos eles ítalo-americanos. Em Janeiro de 1918, nasce Maxine, filha de Chico e Betty, e a 4 de Fevereiro de 1920 é a vez de Groucho casar com Ruth Johnstone. Sucede-se a ascensão no vaudeville: em 1921, “On the Mezzanine Floor” (que em Inglaterra, durante uma tournée se chamou “On the Balcony”) foi o musical seguinte, escrito por Herman Timberg, com produção de Benny Leonard.
Foi em 1921 que os Marx se ligam ao cinema, com a realização de um filme mudo, de que não existe cópia, nem se sabe se chegou a ser terminado. Chamava-se “Humor Risk”, foi rodado com dinheiro emprestado por amigos, o realizador teria sido Dick Smith, o argumento era de Jo Swerling e foi filmado em duas semanas, em Fort Lee, NJ., e num estúdio situado entre a 49th St. e a 10th Ave. em Nova Iorque. Tudo hipóteses.
Arthur, filho de Groucho e de Ruth, nasce a 21 de Julho de 1921 e a 19 de Maio de 1924 estreia-se no Casinos Theatre a nova produção teatral “I'll Say She Is”, com argumento de Will B. Johnstone.
Nos anos 20 os Irmãos Marx criam uma auréola impar no campo do teatro de revista, tornando se num dos grupos teatrais favoritos de Nova Iorque e de todos os EUA (muitas foram as tournée). Com um aguçado sentido de humor, e uma crítica violenta que satirizava sem piedade instituições como a alta sociedade e a hipocrisia humana, o grupo funcionava sob a direcção administrativa de Chico e a direcção artística de Groucho, que lentamente se assumia como o cérebro do conjunto.
O primeiro filme hoje conhecido onde aparece um dos Irmãos Marx é de 1925, chama-se “Too Many Kisses”, e Harpo surge num pequeno papel secundário. Curiosamente. Arpo, que nunca falou nos filmes sonoros, teve a sua única “deixa” no cinema, num filme mudo, precisamente este. Mas a época de ouro dos Marx ia começar. O “vaudeville” iria conhecer dois êxitos enormes: em 8 Dezembro de 1925, estreava-se “The Cocoanuts” no Lyric Theatre de Nova Iorque, onde iria permanecer durante 275 representações, uma temporada completa, a que se seguiriam dois anos a percorrer os palcos das outras grandes cidades norte-americanas
Entretanto, a 6 de Janeiro de 1926 Groucho estreava-se como autor de teatro, com a peça "A Lift From Groucho Marx" que se publicava no “New York Herald Tribune”. A 12 de Abril de 1927, Zeppo casa com Marion Benda e a 19 de Maio do mesmo ano nasce Miriam, filha de Groucho e Ruth. Segue-se uma nova temporada de sucesso no teatro, com um novo musical, “Animal Crackers”, que se estreia no “44th Street Theatre”, a 23 de Outubro de 1928. 191 representações, seguidas de um novo “tour”.  Em 1929, o primeiro livro de Groucho, “Beds” aparece em folhetins no “College Humor” e, em Março desse mesmo ano, Gummo casa-se com Helen von Tilzer.


Quanto ao cinema, a verdadeira aventura dos Marx vai agora começar. Desde 1927 que o cinema era sonoro e os estúdios procuravam afincadamente musicais, peças de teatro, adaptações de obras literárias, sobretudo actores com talento natural para representarem pela voz. A transição do mudo para o sonoro fora uma revolução, fatal para muitos galãs de voz de cana rachada, mas lançaram muitos outros que só agora tinham possibilidade de dar vazão à sua arte e capacidades. O humor, o burlesco, que até ai vivia de situações, pode agora contar com a palavra. Falar de humor que se expressasse pela palavra é falar dos Marx. É assim que os Marx são convidados a trazerem para o cinema os seus espectáculos de vaudeville. Os dois primeiros filmes são precisamente adaptações de “The Cocoanuts” e de “Animal Crackers”. Entre a Paramount e a Metro Goldwing Mayer se vai dividir o bolo dos grandes filmes dos Marx. A Paramount lança a 3 de Agosto de 1929, “The Cocoanuts”, a 6 de Setembro de 1930, “Animal Crackers”, a 19 de Setembro de 1931, “Monkey Business”, a 31 de Agosto de 1932, “Horse Feathers”, onde satirizavam o sistema universitário americano e que foi um dos filmes mais popular até então, logrando mesmo uma apetecível capa na revista Time. Finalmente a 24 de Novembro de 1933, “Duck Soup”, por muitos considerado a obra-prima dos Marx, é uma realização de Leo McCarey. De todos os filmes dos Marx é o único a integrar a lista do American Film Institute dos filmes do século. Na época da estreia, o público não foi particularmente receptivo a esta excelente sátira sobre ditadores e guerras. Depois deste filme, Zeppo abandonou o cinema.
Entretanto, na vida pessoal de cada um dos actores vão acontecendo factos importantes: em 1930, nasce Robert, filho de Gummo e Helen, e Groucho lança “Beds” em livro. A 20 de Dezembro, uma nova peça de teatro de Groucho, "My Poor Wife", é publicada pela Collier. A 5 de Janeiro de 1931, os Marx Brothers aparecem no London Palace Theatre e a 28 de Novembro de 1932, Groucho & Chico iniciam a série radiofónica "Beagle, Shyster & Beagle" (mais tarde conhecido por outro título "Flywheel, Shyster & Flywheel") lançada na NBC. Em 1934, Harpo parte em tournée pela URSS.


Terminado o contrato com a Paramount, os Marx ingressam na Metro-Goldwyn-Mayer, pela mão produtor Irving Thalberg. Este impôs um outro figurino às obras dos Marx, associando um fio de comédia romântica ao desfilar dos gags, a que se misturavam alguns números musicais. Sucede-se assim outro ciclo de grandes comédias: a 15 de Novembro de 1935, estreia-se o mítico “A Night at the Opera”, e a 11 de Junho de 1937, outra lenda, “A Day at the Races”. Pelo meio, a 7 de Dezembro de 1935, “La Fiesta de Santa Barbara”, onde Harpo, no México, podia ser visto em Technicolor, a 24 de Julho de 1936, “Yours For the Asking”, apenas com Groucho, em 1937, “The King and the Chorus Girl”, escrito por Groucho de colaboração com Norman Krasna. Entretanto, a 28 de Setembro de 1936, Harpo casa-se com Susan Fleming. Ambos, dois anos depois, adoptam William (Billy/Bill) Woollcott. Na MGM ocorrem grandes mudanças: em 1936, Irving Thalberg morre, e sem ele, os Marx não são compreendidos e sustentados da mesma forma. Partem para a RKO, Radio Pictures, onde rodam uma nova comédia, “Room Service”, estreada a 30 de Setembro de 1938. Voltam à MGM onde assinam três outros títulos: “At the Circus” (20 de Outubro de 1939), “Go West” (6 de Dezembro de 1940) e “The Big Store” (20 de Junho de 1941). Para enfrentar o problema das dívidas de jogo de Chico, os Irmãos Marx fizeram outros dois filmes, “A Night in Casablanca” (10 de Maio de 1946) e “Love Happy” (3 de Março de 1950), ambos produzidos pela United Artists. Trabalharam juntos ainda, mas não em conjunto, num filme considerado muito inferior aos restantes, “The Story of Mankind” (8 de Novembro de 1957).
Desde 1938 que a actividade dos Marx se tinha intensificado também na rádio. Chico, Harpo e Groucho aparecem em programas da NBC, como "The Bob Hope Show", “The Kellog's Show”, “The Rudy Vallee Show”, "Mail Call #14", "Philco Radio Hall Of Fame", "Bird's Eye Open House", "Philco Radio Time", "Command Performance" entre muitos outros. A partir de 20 de Dezembro de 1942, “Chico Marx and his orchestra” (com a colaboração dos vocalistas Mel Torme e Ben Pollack) surgem no programa "Fitch Bandwagon", e em 1943, Chico tem a sua própria banda musical. Quanto a Groucho inicia na rádio, em 1944, uma série de programas, “The Pabst Show”, mas é substituído por Danny Kaye.
Outros acontecimentos importantes da década de 40: em 1940, Chico e Betty divorciam-se, em 1942, Groucho lança um novo livro, “Many Happy Returns”, a 15 de Julho de 1942, Groucho e Ruth divorciam-se igualmente, a 8 de Novembro de 1942, uma nova peça de teatro de Groucho, "Groucho Marx Turns Himself For Scrap," é publicada no suplement o “This Week”, do “New York Herald Tribune Sunday”, a 12 de Maio de 1943, estreia-se o filme “Stage Door Canteen”, a 10 de Novembro de 1943, "Groucho's New Idea" aparece nas páginas do “Variety”, a 1 de Dezembro de 1943, Alexander Woollcott escreve um tributo a Harpo Marx, "Portrait of a Man with Red Hair", no “The New Yorker”, em 1944, Zeppo e Marion adoptam Timothy, Chico surge na revista “Take a Bow” e Harpo faz parte do elenco da peça “The Man who came to Dinner”.
A 21 de Julho de 1945, Groucho casa-se com Kay Gorcey, a 22 de Dezembro de 1945, o texto de Groucho "The Customers Always Write" é publicado na coluna “Trade Winds”, do “Saturday Review”. Em 1946, nasce Melinda, filha de Groucho e Kay Gorcey. Em 1947, Groucho inicia, na rádio, o show “You Bet Your Life”, que se prolonga até aos anos 60, surgindo igualmente na televisão, a partir da década de 50. 1947 é ainda o ano em que se estreia (30 de Maio) o filme de Groucho e Carmen Miranda, “Copacabana”.
Os tempos áureos dos Irmãos Marx no cinema e teatro começam naturalmente a passar. A 27 de Setembro de 1948, a peça “Time for Elizabeth”, escrita por Groucho e Norman Krasna estreia-se na Brodway, mas aguenta apenas 8 representações. A televisão é meio que vai acolher por excelência participações dos vários irmãos. A 5 de Outubro de 1948, Chico surge na TV, na cadeia NBC, no programa “Texaco Star Theater”, a 13 de Janeiro de 1949, Groucho aparece no "Kraft Music Hall," apresentado por Al Jolson, a 9 de Janeiro de 1949, “Papa Romani", com Chico, é emitido pela CBS. São inúmeras as participações de cada um deles em programas e séries. Grouho é, obviamente, o mais requisitado. Aparece sucessivamente, e sem se pretender ser exaustivo na listagem, no programa da NBC, "All Star Revue”, depois no episódio piloto de "The Bob Hope Show”, no "Colgate Comedy Hour", é premiado no “Look' TV Awards” (1954), aparece no "Shower Of Stars" na CBS, no "The Perry Como Show", celebrando os 30 anos da NBC (Groucho é acompanhado por Éden e Melinda Marx), convidado do "Jack Paar Show", e em 1960, groucho satisfaz um desejo de ha longos anos, interpretando uma figura no musical “The Mikado”, segundo William S. Gilbert e Arthur Sullivan. Segue-se ainda muitas outras colaborações: "Open End", “Today Show", "Les Crane Show”, "Dick Cavett Show", etc.
Por seu turno, Harpo não lhe fica atrás, aparece em “Comedy Hour”, “Spike Jones Show", “The Christophers”, “I love Lucy”, "Kraft Music Hall", "Silent Panic”, um episódio do show de June Allyson na CBS, bem como no "Colgate Comedy Hour".
Chico é convidado de "Celebrity Time", da série “College Bowl”, do "Championship Bridge”, ou de “Next to No Time with Chico”. Outros membros da família começam também a aparecer, sobretudo recordando os pais, caso de Arthur Marx, convidado de “Art Linkletter's House Party”, ou de Melinda Marx em "You Bet Your Life". Entretanto, em 8 de Março de 1959, um telefilme reune pela última vez os três Marx Brothers, “The Incredible Jewel Robbery”.
Outras efemérides interessantes de sublinhar: a 12 de Dezembro de 1948, Groucho escreve um artigo, "Why Harpo Doesn't Talk", publicado no “This Week". A 17 de Maio de 1949 Chico Marx faz uma tournée de cinco dias na Alemanha, para as forces armadas americanas ai instaladas, e a 29 de Novembro de 1949, é Groucho quem surge na rádio das forças armadas norte americanasd, com "Command Performance #404”. A 12 de Maio de 1950, Groucho e Kay divorciam-se, e no dia 28 do mesmo mês, estreia-se “Mr. Music”, com Groucho ao lado de Bing Crosby. Ainda em Dezembro de 1950, mas a 9, a peça de teatro de Chico, "Here's my All-American Football Selections for 1950," é publicada no “TV Forecast”. Entretanto, a 24 de DEzembro de 1951, estreia-se finalmente “Double Dynamite”, um filme onde groucho surge ao lado deJane Russell e que o milionário e produtor Howard Hughes retivera durante três anos. Em Janeiro de 1952, surgirá outro filme com Groucho a solo, “A Girl in Every Port”.
O casa-descasa dos Marx prossegue; a 12 de Maio de 1954, Zeppo divorcia-se de Marion, mas a 17 de Julho de 1954, Groucho volta a casar, agora com Eden Hartford. Em Abril de 1958, Chico casa com Mary De Vithas, a 18 de Setembro de 1959, Zeppo casa com Barbara Blakely, a 4 de Dezembro de 1969, Groucho e Eden Hartford divorciam-se. Zeppo e Barbara também se divorciam em 1973. (Barbara voltará a casar mais tarde com Frank Sinatra). Huffff! Vida sentimental agitada!
A 16 de Outubro de 1954, inicia-se a publicação em folhetim, no Saturday Evening Post, da obra de Arthur Marx, "Life With Groucho," com o título "My Old Man Groucho". Em 1959, Groucho publica uma autobiografia, “Groucho and Me”. Em 1961 é a vez de Harpo escrever e dar à estampa “Harpo”. Em 1965, Groucho publica “Memoirs of a Mangy Lover” (Meórias de um Pinga amores”, na tradução portuguesa), e, em 1967, nova obra de Groucho surge nos escaparates, “The Groucho Letters”.
Ainda se assinalam participações individuais nalguns filmes: em Augusto de 1957, estreia-se “Will Success Spoil Rock Hunter?” e, em 19 Dezembro de 1968, lança-se nas salas norte-americanas o filme de Otto Preminger, “Skidoo”. Em 1972, Groucho dá um concerto a solo, em Ames, Iowa, e em 1972, no Festival de Cannes, Goucho é condecorado e feito “Commandeur des Arts et Lettres” pelo governo francês. A 6 de Maio de 1972, novo concerto a solo de Groucho, agora no Carnegie Hall, em Nova Iorque. Em 1974 Groucho recebe um Oscar especial (“lifetime's achievement”) e a 16 de Janeiro de 1977 os Marx são consagrados no “Motion Picture Hall of Fame”. Chico morrera em 1961, Harpo em 1964, Groucho e Gummo em 1977, e Zeppo iria falecer em 1979.

FILMOGRAFIA:
FILMES DOS IRMÃOS MARX (EM CONJUNTO):

1926: Humor Risk, de Dick Smith
1929: The Cocoanuts (Malucos à Solta), de Robert Florey, Joseph Santley
1930: Animal Crackers (Os Galhofeiros), de Victor Heerman
1931: Monkey Business (Agulha em Palheiro ou Uma Aventura dos Marx ou A Culpa Foi do Macaco), de Norman Z. McLeod
Horse Feathers (Os Irmãos Marx na Universidade), de Norman Z. McLeod
1933: Duck Soup (Os Grandes Aldrabões), de Leo McCarey 
1935: A Night at the Opera (Uma Noite na Ópera), de Sam Wood e Edmund Goulding (não creditado)
1937: A Day at the Races (Um Dia nas Corridas), de Sam Wood
1938: Room Service (Um Criado ao Seu Dispôr ou Hotel dos Sarilhos), de William A. Seiter
1939: Título original: At the Circus (Um Dia No Circo), de Edward Buzzell
1940: Go West ou Marx Brothers Go West (Os Irmãos Marx No Far West), de Edward Buzzell
1941: The Big Store (Casa De Doidos), de Charles Reisner
1946: A Night in Casablanca (Uma Noite Em Casablanca), de Archie Mayo
1949: Love Happy ou Blonde Heaven ou Blondes Up ou Hearts and Diamonds ou Kleptomaniacs (Doidos Por Mulheres), de David Miller, Leo McCarey (não creditado)
1957: The Story of Mankind (A História Da Humanidade), de Irwin Allen

Outros filmes, entre curtas e longas-metragens, interpretados apenas por alguns dos Marx Brothers e ainda filmes promocionais.

1925: Too Many Kisses, de Paul Sloane, com Harpo Marx
1925: A Kiss In The Dark (Um Beijo No Escuro), de Frank Tuttle, com Zeppo Marx
1931: The House That Shadows Built (filme comemorativo do 20º aniversário da Paramount), com
Groucho Marx, Harpo Marx, Chico Marx, Zeppo Marx
1931: Jackie Cooper's Birthday Party, de Charles Reisner, com Harpo Marx
1932: Hollywood on Parade No.5, com Groucho Marx, Harpo Marx, Chico Marx
1933: Groucho Marx's Home Movies, de Groucho Marx, com Arthur Marx, Groucho Marx
1933: Hollywood on Parade No. 9, de Louis Lewyn, com Chico Marx
1933: Hollywood on Parade No. 11, de Louis Lewyn, com Groucho Marx, Harpo Marx
1935: La Fiesta de Santa Barbara, de Louis Lewyn, com Harpo Marx
1936: Yours for the Asking, de Alexander Hall, com Groucho Marx
1936: Hollywood - The Second Step, de Felix E. Feist, com Chico Marx
1937: The King and the Chorus Girl ou Grand Passion ou Romance Is Sacred ou Romance in Paris (O Rei e a Corista), de Mervyn LeRoy
1937: Sunday Night at the Trocadero, de George Sidney, com Groucho Marx
1943: Instantanes, de Ralph Staub, com Groucho Marx
1943: Screen Snapshots nº 110: Série 23, No. 1: Hollywood in Uniform, de Ralph Staub, com Groucho Marx, Harpo Marx, Chico Marx
1943: Stage Door Canteen (Chuva de Estrelas), de Frank Borzage, com Harpo Marx
1944: Hollywood Canteen (Sonho em Hollywood), de Delmer Daves, com Harpo Marx
1945: The All-Star Bond Rally, de Michael Audley, com Harpo Marx
1947: Copacabana, de Alfred E. Green, com Groucho Marx
1949: The Life of Riley (O Vida Boa), de Irving Brecher
1950: Mr. Music, de Richard Haydn, com Groucho Marx
1951: Double Dynamite ou It's Only Money (Casar não Custa), de Irving Cummings, com Groucho Marx
1953: Screen Snapshots: Hollywood's Greatest Comedians, de Ralph Staub, com Groucho Marx
1955: Screen Snapshots: The Great Al Jolson, de Ralph Staub, com Chico Marx, Groucho Marx, Harpo Marx
1956: Screen Snapshots: Playtime in Hollywood, de Ralph Staub, com Groucho Marx
1957- Will Success Spoil Rock Hunter? ou Oh! For a Man! (A Loira Explosiva), de Frank Tashlin, com Groucho Marx

1968: Skidoo, de Otto Preminger, com Groucho Marx


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