domingo, 13 de outubro de 2013

SESSÃO 5 (DUPLA): 4 DE NOVEMBRO DE 2013


TEMPOS MODERNOS (1935)



“Encontrar Chaplin a dirigir “Tempos Modernos” é retroceder dez anos na história do cinema. Este estúdio contrasta com os estúdios sonorizados de Hollywood, onde reina o silêncio. Na avenida La Brea encontra-se o último estúdio do mundo onde se faz barulho durante a filmagem. Chaplin produz, num incrível tumulto, o último dos filmes mudos, empregando métodos que há muito foram abandonados em toda a parte. (da imprensa americana da época)

Efectivamente! Desde 1929, depois de Al Jonson e do “Cantor de Jazz”, todo o mundo persegue a palavra. O cinema, de um dia para o outro, deixa o silêncio da pantomima e caminha para o sonoro, para a palavra. Chaplin, porém, teimoso e genial, receando sobretudo (como veremos) pela universidade da sua linguagem, mantém-se afastado da palavra. “Tempos Modernos”, realizado em 1935 e estreado em 1936, é, na Meca do cinema, uma ousadia. Uma ousadia que começa logo pelo facto de recusar a “modernidade”. Essa “modernidade” que, viria depois a saber-se, não era outra “moda”, mas efectivamente o futuro. Paradoxalmente, porém, o futuro viria a consagrar “Tempos Modernos” como um dos mais importantes filmes da história do cinema. Quantos filmes falados desta época são assim recordados?
Sobre o caso, recorda Leprohon: “Era o único que continuava a servir-se de uma técnica que nenhum outro ousava defender contra o gosto do público. Continuava a ir contra a corrente, numa altura em que os rápidos progressos técnicos do sonoro provavam já que o futuro lhe pertencia. Belo exemplo de coragem quando se arrisca não só a fortuna, o que é pouco, mas a maior glória do mundo. Entre Chaplin e a palavra, a luta ia durar quinze anos. Situado a meio caminho, “Tempos Modernos” confirma a sua vitória. Sentimo-la durante todo o filme na sua admirável construção, no seu ritmo, na sua alegria. Nem uma indecisão, mas uma espécie de jogo que se recusa a tomar partido. Tratava-se de saber se Charlot se servia do cinema ou se o cinema se servia de Charlot. “Tempos Modernos” dava a resposta.”


 “Contudo, Chaplin escolhera para “Tempos Modernos” um assunto bastante novo. Charlot é operário numa grande fábrica. O filme apresenta-se na sua advertência como a “história da indústria, do empreendimento individual, da humanidade na conquista da felicidade...” (Sadoul).
Assumindo uma atitude que era, viria depois a saber-se, contrária ao futuro do cinema, Chaplin não desleixa a análise do futuro do homem. Um pouco afastado da evolução técnica (e também estética) da forma de expressão que escolhera, Chaplin mantinha-se um autor extremamente preocupado com o homem e os seus problemas. Descurando o que poderia ser acidental, Charlot não se demitia no plano do essencial. Deste modo é que “Tempos Modernos” adquire uma modernidade impressionante, um poder de crítica que ainda hoje espanta e que deixa perceber, sem grande admiração, a enraivecida reacção de certos sectores da vida americana e europeia. Compreendem-se, portanto, as palavras de um correspondente francês em Nova Iorque que historiou assim o acolhimento da imprensa americana: “Embora reconhecendo a marca do génio incontestável de Chaplin, a crítica censura-o por ser demasiado agressivo, demasiado revoltado; censura-lhe uma tendência política que estaria muito próxima do comunismo; censura-lhe o facto de se mostrar, mais claramente do que nunca, inimigo dos grandes dirigentes de empresas e da Polícia”. Curiosos tempos estes, onde se atacava um artista em tais termos.
“Todo o desespero do filósofo que denuncia o absurdo do mundo, toda a angústia de Kafka, explodem neste filme, tão feroz como burlesco.” (Georges Altman).


“Tempos Modernos” inicia-se ao ataque. Um rebanho de carneiros é posto em paralelo com os operários que entram para as fábricas ou saem do metropolitano. É conveniente não esquecer que o filme data de 1936 e tenta ser a análise de um período de crise que levou a América à mais completa ruína. A depressão económica, iniciada com o “crash” de 1929, estava nos olhos de todos e o desemprego será um dos grandes temas de Chaplin.
No interior de uma fábrica, iremos encontrar Charlot operário, elo de uma cadeia. O seu trabalho será o de apertar roscas, não descurando um gesto, impondo a si mesmo um ritmo de autómato. Obviamente esta regularidade só se mantém durante escassos segundos. Charlot, eterno “revoltado”, como lhe chama José-Augusto França, não poderia aceitar com docilidade este esquema. Será a própria engrenagem que se irá ressentir da colaboração prestada por Charlot. Da mesma forma que também Charlot se ressentirá da automatização que lhe é imposta, mantendo no exterior a mesma necessidade de apertar roscas que a fábrica lhe criara. Mas, eis a subversão: em lugar de roscas, Charlot investe furiosamente sobre todos os botões que os vestidos da época comportam. E eram muitos. Ei-lo, portanto, correndo atrás de uma matrona, generosamente servida de seios, que se atravessara no caminho. Este facto, acrescentado a outros (explode com a maquinaria, borrifa de óleo o director da fábrica e os seus capatazes, distrai os colegas, etc.), obriga Charlot a uma permanência no hospital, após a qual se encontra desempregado. Em liberdade, Charlot apanha irreflectidamente do chão um pedaço de pano vermelho e é tomado por chefe de uma manifestação. Na cadeia (que Chaplin associa, no funcionamento, a uma fábrica), Charlot consegue um estatuto de privilegiado, depois de ter ajudado a malograr uma fuga. Refastelado numa confortável cela, tenta recusar a liberdade quando lha oferecem. Afinal, lá dentro, está muito melhor, saboreando o descanso e sem inquietações de comida e cama.
De novo na sua rota de vagabundo, encontra uma jovem que roubara um pão. Quixotesco, faz-se passar pelo ladrão, de forma a deixar em liberdade a rapariga (ou de forma a ser preso outra vez). Acabam ambos por ir parar ao carro celular.
Novo emprego (um estaleiro, onde Charlot afunda um navio em construção), nova prisão. À saída, a jovem espera por ele. Passam a viver numa cabana e Charlot consegue outro trabalho: guarda-nocturno num armazém. Abusivamente, leva lá para dentro a jovem e passam uma noite em grande estilo, até que surge um grupo de ladrões com que acaba por confraternizar. Volta a ser preso, volta a sair. De novo a rapariga o espera, agora para lhe dizer que conseguiu um emprego de dançarina num cabaret de décima ordem. Charlot é contratado como empregado-cantor. Os tempos parecem sorrir-lhes finalmente, mas a polícia volta a quebrar o encanto daquele idílio, tentando prender a rapariga. Com a estrada pela frente (o mesmo é dizer: com o futuro), o casal, de mão dada, teima. Nalgum sítio será possível viver. Nada mais lhes resta do que perseguir o sonho.
Chaplin contra a técnica? Chaplin contra a máquina? Quer-nos parecer que não. Chaplin recusa, dos tempos modernos, a alienação do indivíduo, a sujeição à máquina, a indignidade de um trabalho escravo, a apatia dos próprios homens perante a sua progressiva desumanização. Só assim se entenderão completamente os planos iniciais, onde um rebanho de carneiros é montado em paralelo com os operários dirigindo-se para as fábricas. Atacando a máquina que tritura o indivíduo (que tritura literalmente, como acontece em “Tempos Modernos”, onde, por exemplo, os operários são levados pelo interior das máquinas, tragados pelas suas engrenagens, ávidas de alimento para o seu estômago esfomeado), Chaplin ataca não a técnica como valor absoluto, mas a técnica que, em lugar de libertar o homem, o escraviza. Não a máquina que serve o homem, mas a que se serve do indivíduo. Neste aspecto, é muito sugestiva toda a cena onde o patrão da fábrica experimenta um invento destinado a servir o almoço aos operários “no local de trabalho”, para que estes não interrompessem as suas tarefas para a refeição. Eis aqui o exemplo máximo da técnica ao serviço da própria técnica e dos meios de produção. Tudo isto, simplesmente para maior lucro e glória da entidade patronal e do capital, através de uma maior exploração do trabalho. “Às promessas de bem-estar material (Charlot) preferirá sempre, porque é um poeta e porque é livre, a miséria e a fome, mas também os devaneios tranquilos, a erva dos taludes, a incerteza de um amanhã que permite todas as esperanças” (Leprohon).
Filme a um tempo sonoro e mudo, “Tempos Modernos” mantém toda a estrutura dramática de uma obra muda. Aqui e ali aparecerão um rádio, uma máquina, um som. Charlot, porém, permanece silencioso, preferindo exprimir-se pela mímica, pela expressão, pelo gesto. E por legendas, quando for o caso. Quase no fim do filme, contudo, saltando para o centro da pista do cabaret, com um poema escrito num dos punhos da camisa, Charlot canta. A canção (“Je cherche après Titine”) é, todavia, uma sucessão de sons que vai buscar elementos a várias línguas e se torna expressiva para qualquer delas. Ou, se preferirem, que alcança um significado definido e único em todas elas. Primeira experiência falada de Charlot, esta canção irá manter a universalidade de um gesto, de uma expressão, de um olhar.

Que dizer da genialidade do cómico de Chaplin? Que mais se poderá acrescentar ao que já foi dito? Chaplin, para uns o maior cineasta da história do cinema (e para que interessarão as comparações?), é um homem com uma visão do mundo perfeitamente elaborada, um artista que cria à sua imagem e semelhança. Um filme de Chaplin não é uma comédia ou um drama. Possui o fôlego de um poema, enternece e diverte, atinge a sátira ou a tragédia, deixa sobretudo o espectador estupefacto, ignorando qual deverá ser a sua reacção acertada. Rir ou chorar, sofrer com a sorte magoada de um vagabundo, gritar de dor perante a injustiça, indignar-se com o gesto do “herói” que continuamente a si próprio se nega (Charlot na prisão toma o partido do director e dos guardas e aqui Chaplin avisa-nos da dificuldade de acusar ou enaltecer um homem, sobretudo um homem como aquele que ele nos mostra)...
Do que poderemos estar certos é da qualidade de um humor que consegue ressuscitar todos os dias, em todos os ecrãs do mundo, perante novos públicos. O que poderemos é admirar, sim!, diariamente admirar e se possível, se conseguirmos, se formos capazes disso, se o merecermos, amar Charlot e, através dele, amar a vida.
Charlot? Uma maravilha. Bastaria uma palavra, se as palavras sozinhas, isoladas, perdidas, significassem ainda alguma coisa. Mas a verdade é que Charlot é isso: uma maravilha!
In “Diário de Lisboa”, 6 de Fevereiro de 1972.


EVOCAÇÃO DE CHAPLIN
Por entre imagens recolhidas de alguns filmes de Charlot, o noticiário de televisão da noite de Natal de 1977 interrompeu as referências mais ou menos festivas à quadra para sublinhar o facto: Charles Chaplin morreu.
Tinha 88 anos, vivia retirado em Corsier-sur-Vevey, na Suíça, de onde só raramente saía nos últimos anos de vida. O "guerreiro" repousava já há longos anos, esperando que a morte o viesse buscar. "Morreu de velhice", confirmaria o médico da família. Serenamente, durante o sono, numa noite de Natal. Sem dramatismo, ainda que perante a comoção sincera de todo o mundo. Mesmo daqueles que já não achavam muito simpática a figura de Chaplin, endinheirado e algo conservador, ele que fora arauto de liberdade, de arrojo, de destemperança.
Enquanto Charles Spencer Chaplin vai a enterrar, discretamente, perante o silêncio dos familiares, escolho o silêncio da noite que se adensa para retirar o projector de super-oito, ligar a ficha à corrente, e pôr a rolar uma bobina clássica, de um Charlot dos bons velhos tempos. É "Charlot, vagabundo". Buster Keaton, o único outro cómico de toda a história do cinema que se lhe pode comparar, afirma-o "o vagabundo do cinema". É assim que gosto de recordá-lo: o cabelo preto encaracolado, caindo sobre a testa, crescendo por debaixo de um chapéu de coco (seguramente surrupiado na pré-história do cinema); um corpo franzino, nervoso; umas calças largas e amarrotadas, de cujos bolsos podem sair cordas, lenços, pedaços de pão duro, que irá dividir sempre com a bela rapariga pobre e cega (como em “Luzes da Cidade”); um colete; um casaco muito apertado; uma gravata que se descobre descendo dos colarinhos brancos (brancos?) da camisa; uns sapatos enormes, por vezes abertos à frente, com as solas separadas, mas sempre comestíveis em momentos de fome mais negra. E, por debaixo de uns olhos tristes e nostálgicos, o bigodinho trocista que irá acompanhar as evoluções electrizantes de uma fina bengala de cana.
Aí temos a figura à conquista do mundo. Adormecido atrás de uns taipais, sentado na soleira de uma porta, caminhando sem destino pelas ruas das grandes metrópoles, pelos atalhos do campo, Charlot é uma personagem à espera do mundo. Que lhe surgirá sob a forma do cacetete de um polícia de Max Sennett, ou sob o rosto amargurado de uma jovem, desprotegida, em fuga aos maus tratos de um patrão ou padrasto. Tudo começa em cada nova bobina. Do olhar do vagabundo sai a esperança, sempre renovada. As peripécias sucedem-se. Charlot não abdica de uma ferroada violenta no "sistema". Individualista, "self-made-man", como lhe chamou José-Augusto França, Charlot diverte-se, e diverte-nos, atacando os "grandes", quer eles sejam os guardas prisionais (detentores de um "certo" poder), os banqueiros, os bons burgueses, os oficiais de carreira, os patrões ou mesmo os governantes. É célebre a violenta "charge", dedicada a Hitler, em “O Ditador”, que terá levado Göebbels a caracterizar Charles Chaplin do seguinte modo: "É um judeuzinho desprezível, mesquinho e ávido." Quando no futuro se recordar Charlot, dir-se-á "cinema", dir-se-á "amor à vida". Quando se recorda Göebbels, o que vem à memória são o nazismo e campos de concentração. Vitórias de um “judeuzinho” indomável que todas as forças do mundo quiseram ter junto de si e que quando não con­seguiram comprar a sua cumplicidade, o amesquinhavam sem razão, o expulsavam sem motivo. A América, que lhe recusou entrada em 1952, sob a acusação de "actividades anti-americanas" e de "simpatias comunistas", levaria vinte anos para se recompor, dando o dito por não dito em 1972, quando o recebe triunfalmente para lhe entregar em Hollywood um prémio especial, criado para mitigar uma injustiça.
Eternamente apaixonado pela "partenaire" do filme que rodava (com algumas das quais viria mesmo a casar), Charlot surge-nos como o "cavaleiro andante" do século XX, um pobre diabo metido em assados, eterna vítima dos graúdos, de que se desforra amiudadas vezes, ao tentar repor o equilíbrio entre exploradores e explorados. Peregrinação dolorosa em busca da dignidade, o cinema de Charlie Chaplin traduz - de uma maneira de que só Buster Keaton conheceu igualmente a fórmula - toda a complexa mecânica do riso, do "clown", do palhaço. Servindo-se do cinema como linguagem universal, Chaplin conseguiu ser o palhaço de todas as infâncias, o riso de todas as crianças, a ternura de todos os públicos.
Cavalheiresco e altivo mesmo nas piores situações, Charlot tem sempre um gesto, uma frase, um movimento que lembram a sua condição de homem, de humilhado e ofendido, que todavia não oferece a outra face, depois de ter sido esbofeteado na direita. Mesmo no alto da pista de um circo (em “O Circo”), envolvido por macacos que o mordem e o despem, enquanto procura equilibrar uma barra sobre a corda bamba, mesmo aí Charlot não abdica da sua dignidade, rosto amargurado transpirando pureza, uns olhos de uma tristeza infinita que só o rosto de uma mulher consegue rasgar de par em par, uma dignidade continuamente posta em causa, continuadamente agredida, mas sempre reaprendida, mesmo depois da angustiante partida do circo, mesmo depois do adeus a uma amada que ele vê desaparecer nos braços de outro. Mesmo depois de todo este desmoronar de um sonho, Charlot consegue erguer-se bem no centro da pista deserta e partir ele também para os lados do desconhecido, com um andar saltitante, volteando no ar uma bengala de esperança. Ouvi pela televisão, li depois nos jornais que Charlie Chaplin morrera na noite de Natal de 1977. Em Corsier-sur-­Vevey, na Suíça. Agora que desligo o projector de super-oito, que enrolo a fita e guardo a bobina, sei que Charlot, o vagabundo, não morreu.

TEMPOS MODERNOS
Título original: Modern Times
Realizador: Charles Chaplin (EUA, 1936); Argumento: Charles Chaplin; Música: Charles Chaplin, e ainda Alfred Newman, Edward B. Powell, David Raksin, Bernhard Kaun; Fotografia (p/b): Ira H. Morgan, Roland Totheroh, e ainda Max M. Autrey, Mark Marlatt; Montagem: Willard Nico; Casting: Al Ernest Garcia; Direcção de produção: Charles D. Hall Alfred Reeves, Jack Wilson; Direcção artística: J. Russell Spencer; Maquilhagem: Elizabeth Arden; Assistentes de realização: Carter DeHaven, Henry Bergman; Departamento de arte: Charles D. Hall, J. Russell Spencer, Hal Atkins, William Bogdanoff, Bob Depps, Joe Van Meter; Som: Frank Maher, Paul Neal; Efeitos especiais: Bud Thackery; Produção: Charles Chaplin; Companhias de produção: Charles Chaplin Productions; Intérpretes: Charles Chaplin (operário), Paulette Goddard (rapariga), Henry Bergman (propietário de café), Tiny Sandford (Big Bill), Chester Conklin (mecânico), Hank Mann (ladrão), Stanley Blystone (pai da rapariga), Al Ernest Garcia (presidente da Electro Steel Corp.), Richard Alexander, Cecil Reynolds, Mira McKinney, Murdock MacQuarrie, Wilfred Lucas, Edward LeSaint, Fred Malatesta, Sammy Stein, Juana Sutton, Ted Oliver, Norman Ainsley, Bobby Barber, Heinie Conklin, Gloria DeHaven, Frank Hagney, Chuck Hamilton, Lloyd Ingraham, Walter James, Edward Kimball, Jack Low, Bruce Mitchell, Frank Moran, James C. Morton, Louis Natheaux, John Rand, Harry Wilson, etc. Duração: 87 minutos; Locais de filmagens: Hollywood Boulevard & Vine Street, Hollywood, Los Angeles, California, EUA; Data de estreia: 5 de Fevereiro de 1936 (EUA); Classificação etária: M/ 6 anos; Distribuição mundial (DVD): MK2 Diffusion; MK2 Editions; Distribuição em Portugal (DVD): Costa do Castelo Filmes.

CHARLES CHAPLIN (1889-1977)

1. AS ORIGENS
Charles Spencer Chaplin nasceu em Londres, a 16 de Abril de 1889, filho de Charles Chaplin e de Hanah Hill. O pai era actor, cantor e compositor, a mãe cantora e bailarina de "music-hall", conhecida pelo nome de Lily Harley. Aos cinco anos, Chaplin, ainda que ocasionalmente, já canta em espectáculos de variedades, ao lado do pai, em substituição da mãe. Em Março de 1894 morre o pai e a situação da família é de uma miséria extrema, com a hospitalização da mãe, dada como louca. Chaplin e seu irmão Sidney entram para a Hanwell Residential School, nos subúrbios de Londres, um orfanato onde Chaplin se mantém até 18 de Janeiro de 1898. Volta então para junto da mãe, aparentemente recuperada e exercendo costura. Frequenta depois o Hern Boys College, onde estudará durante 18 meses, aparecendo simultaneamente nalguns espectáculos de "music-hall" londrinos de segunda categoria.
Contratado por grupos como os de "Maggie Morton" e "The Eight Lancashire Lads", Chaplin exercita-se entre as variedades e os números de circo, numa altura em que a mãe volta a ter nova crise e é internada outra vez. Fica sozinho em Londres (o irmão partira, como marinheiro, para a África do Sul), torna a conhecer um período de fome, desolação e negra miséria. Tem onze anos e sobrevive em pequenos papéis, em peças como “From Rags to Riches” (Da Miséria à Fortuna), um melodrama, ou “Sherlock Holmes”, cuja carreira o ocupa durante algum tempo.
O circo interessa-o igualmente, até que em 1906 é contratado pelo "Casey's Court Circus", um circo infantil, onde todos os números eram interpretados por crianças. Uma digressão de um ano assegura-lhe a sobrevivência, até que Sidney Chaplin, que entretanto se tornara seu empresário, lhe consegue um contrato para a Fred Karno Repertoire Company. A sua carreira ascensional irá começar aqui. Várias digressões internacionais, a Paris, pela província inglesa, aos EUA e ao Canadá, e finalmente uma segunda digressão aos Estados Unidos que o leva até Nova Iorque, onde o produtor Adam Kessel, que fundara a Keystone Cª, repara nele e o pretende contratar, o que só virá a acontecer em 12 de Maio de 1913. Tornara-se conhecido na América sobretudo pela sua contribuição num episódio teatral, “A Night in an English Music Hall”. A última representação de Charles Chaplin para a companhia de Fred Karno terá lugar em 28 de Novembro de 1913, no Empress Theatre, de Kansas City. Em Dezembro desse ano, já em Hollywood, trava conhecimento com Mack Sennett e os processos cómicos da Keystone Film Company. Assina o primeiro contrato para o cinema em 2 de Janeiro de 1914, obrigando-se a participar em 35 filmes de uma ou duas bobinas, durante esse ano, contra uma remuneração de 150 dólares semanais, ou seja 7800 dólares por ano. Entre 16 e 19 de Janeiro filma o seu primeiro filme, “Making a Living” (Charlot Jornalista).

2. FILMES DO PERIODO DA “KEYSTONE”
1914: Making a Living (Charlot Jornalista), de Henry Lehrman; Kid Auto Races at Venice (Charlot Fotogénico), de Henry Lehrman; Mablel's Strange Predicament (A Estranha Aventura de Mabel), de Mack Sennett e Henry Lehrman; Between Showers (Charlot e o Guarda-Chuva), de Henry Lehrman; A Film Johnny (Charlot no Cinema), de Mack Sennett; Tango Tangles (Charlot Bailarino), de Mack Sennett; His Favourite Pastime (Charlot Galante), de George Nichols; Cruel, Cruel Love (Charlot Marquês), de Mack Sennett; The Star Boarder (Charlot Ama a Hospedeira), de Marck Sennett; Mabel at the Wheel (Charlot tem um Rival), de Mack Sennett e Mabel Normand; Twenty Minutes of Love (Charlot Apaixonado), de Mack Sennett; Caught in a Cabaret (Charlot Criado de Café), de Chaplin e Mabel Normand; Caught in the Rain (Charlot e a Sonâmbula), de Chaplin; A Busy Day (Charlot Ciumento), de Chaplin; The Fatal Mallet (O Malho de Charlot), de Chaplin e Mack Sennett; The Knock Out (Charlot Árbitro), de Mack Sennett e Chaplin; Her Friend the Bandit (O Namoro de Charlot), de Chaplin e Mabel Normand; Mabel's Busy Day (Charlot e as Salsichas), de Chaplin e Mabel Normand; Mabel's Married Life (Charlot e o Manequim), de Chaplin e Mabel Normand; Laughing Gas (Charlot Dentista), de Chaplin; The Property Man (Charlot no Teatro), de Chaplin; The Face on the Bar Room Floor (Charlot Pintor), de Chaplin; Recreation (Charlot Diverte-se), de Chaplin ; The Masquerade (Charlot Faz de Vedeta), de Chaplin; His New Profession (Charlot Enfermeiro), de Chaplin; The Rounders (Que Noite), de Chaplin; The New Janitor (Charlot Porteiro), de Chaplin; Those Love Pangs (Charlot e o Rival), de Chaplin; Dough and Dynamite (Pastéis e Dinamite), de Chaplin; Gentlemen of Nerve (Charlot nas Corridas), de Chaplin; His Musical Career (A Carreira Musical de Charlot), de Chaplin; His Trysting Place (Charlot Papá), de Chaplin; Tillie's Punctured Romance (As Bodas de Charlot), de Mack Sennett; Getting Acquainted (Charlot Passeia), de Chaplin; His Prehistoric Past (O Homem Pré-Histórico), de Chaplin.

3. COMO SURGE “CHARLOT”
No seu livro autobiográfico, Charlie Chaplin conta como nasceu a personagem Charlot, “vagabundo, gentleman, poeta, sonhador". Depois de um primeiro filme, “Charlot Jornalista” (Janeiro de 1914), Chaplin foi convidado para figurar num segundo filme de Mack Sennett:
"Não tinha a menor ideia da maneira como havia de me apresentar. Mas, quando me dirigia para o vestuário, disse com os meus botões que ia vestir umas calças largas de mais, pôr uns sapatos enormes e completar o conjunto com uma bengala e um chapéu de coco. Queria que tudo estivesse em contradição: as calças exagerada­mente largas, o casaco muito apertado, o chapéu pequeno de mais e os sapatos enormes. Devia ainda resolver se assumiria um ar de jovem ou de velho, mas lembrando-me de que Sennett me tinha julgado mais velho, acrescentei à minha cara um pequeno bigode que, segundo me parecia, dar-me-ia mais alguns anos sem ocultar a minha expressão."

4. NA “ESSANAY”
Em 1915 Chaplin deixa a Keystone e muda-se para a Essanay, onde roda 16 novos títulos durante esse ano. Recebe agora 1250 dólares semanais, o que corresponde a 65 000 dólares num ano. Chaplin passa a assegurar a realização integral das suas obras, sendo da sua responsabilidade argumento, realização, cenários, recrutamento de outros actores e técnicos e interpretação. Contrata Edna Purviance, uma actriz com quem irá estabelecer longa e forte amizade. Inicia-se a contribuição de Rollie Totheroh, que acompanhou Chaplin durante 40 anos.

OS FILMES DO PERÍODO DA “ESSANAY”
1915: His New Job (A Estreia de Charlot), A Night Out (Charlot Zaragateiro), The Champion (O Campeão), In the Park (Charlot no Parque), Charlot quer Casar (The Jitney Elopement), The Tramp (Charlot Vagabundo), By the Sea (Charlot Bombista), His Regeneration (A Regeneração de Bronco Billy), Work (Charlot Aprendiz), A Woman (Charlot Perfeita Dama), The Bank (Charlot no Banco), Charlot em Xangai (Shanghaled), A Night in the Show (Uma Noite no Music-Hall), Police (Charlot Ladrão), Carmen (Carmen), Triple Trouble (Charlot é sempre Charlot), The Essanay Chaplin Revue of 1916 (antologia, em 5 bobinas, de fragmentos de alguns dos filmes interpretados por Chaplin para a Essanay em 1916).


5. NA “MUTUAL”
Desagradado com as imposições dos produtores em relação a “Carmen”, Chaplin decide não renovar o contrato com a Essanay e ingressa na Mutual. As condições semanais melhoram. Um total de 675 000 dólares para doze filmes. Trabalhará para a Mutual até Setembro de 1917 tendo, porém, já assinado novo contrato, desta feita com a First National, em Junho do mesmo ano. Em Outubro de 1917 principia a construção do Estúdio Chaplin, num terreno adquirido no Sunset Boulevard, em Hollywood.

FILMES DO PERÍODO DA “MUTUAL”
1916: The Floorwalher (Charlot Caixeiro), The Fireman (Charlot Bombeiro), The Vabagond (Charlot Violinista), One A. M. (Charlot Boémio), The Count (Charlot Aldrabão), The Pawnshop (Charlot Prestamista), Behind the Screen (Charlot Maquinista), The Rink (Charlot Patinador); 1917: Easy Street (Charlot na Rua da Paz), The Cure (Charlot nas Termas), The Emmigrant (Charlot o Emigrante), The Adventurer (Charlot o Evadido) (durante o período da Mutual, todos os filmes de Chaplin são escritos e realizados por ele, tendo com fotógrafos Rolland Totheroh e William C. Foster).

6. NA “FIRST NATIONAL”
A First National assegura a colaboração de Chaplin e Mary Pickford. O contrato de Charles Chaplin prevê a realização de 8 títulos em 18 meses, contra o que receberá 1 075 000 dólares. Chaplin funda a Chas Chaplin Film Cª, onde passarão a ser rodados todos os seus filmes, até “Luzes da Ribalta”. O actor passa a controlar a produção das suas obras, cobrando 50% das receitas.
Entretanto, entre Março e Junho de 1918 associa-se à propaganda americana de intervenção na I Guerra Mundial. A 23 de Outubro desse ano, casa com Mildred Harris, uma actriz de 16 anos, de quem se divorciará a 19 de Novembro de 1920. Em Setembro de 1921 inicia uma viagem à Europa, com paragem em Londres, Paris e Berlim, para apresentação do seu filme “Garoto de Charlot”.

FILMES DO PERÍODO DA “FIRST NATIONAL”
1918: A Dog's Life (Uma Vida de Cão), Shoulder Arms (Charlot nas Trincheiras), The Bond (contribuição de Chaplin para a campanha de bónus para a guerra. Filme julgado perdido durante muito tempo); 1919: Sunny Side (Um Idílio nos Campos), A Day's Pleasure (Um Dia Bem Passado); 1921: The Kid (O Garoto de Charlot), - The ldle Class (Charlot, Amador de Golf); 1922: Pay Day (Dia de Pagamento), The Pilgrim (O Peregrino).

7. DO MUDO AO SONORO
Após um contrato de cinco anos com a First National, Chaplin passa a produzir os seus próprios filmes, através da United Artists, produtora que fundara em 1919, conjuntamente com Mary Pickford, Douglas Fairbanks e D. W. Griffith, pelo que também era conhecida pela designação de “The Big Four” (Os Quatro Grandes). Por essa altura é muito falada a ligação de Chaplin com Pola Negri, cuja ruptura se anuncia no Verão de 1923. Em 24 de Novembro do ano seguinte, casa secretamente com Lita Grey, actriz que contratara para “A Quimera do Ouro”, que virá a ser, porém, interpretada por Georgia Hale.
Depois dos escândalos de Mildred Harris e Pola Negri (entre outros), Chaplin enfrenta nova acção de divórcio, desta feita instaurada por Lita Grey, em Janeiro de 1927. A opinião pública começa a protestar contra Chaplin e pede a proibição dos seus filmes. O puritanismo americano vem ao de cima. Um grupo de escritores surrealistas franceses ergue-se, todavia, em defesa de Chaplin, num manifesto intitulado "Hands off Love", redigido em inglês por Aragon, e assinado por Éluard, Breton, Man Ray, Desnos, Crevel, Georges Sadoul, Tanguy, Prévert, Queneau, etc,
Após o julgamento, Chaplin tem novos problemas com a justiça americana, desta feita com o fisco. Anteriormente, a sua mãe, que passara a viver com ele nos EUA, tinha igualmente sido ameaçada de expulsão. Hannah Chaplin virá a morrer em Agosto de 1929. Entretanto, as primeiras longas-metragens de Charles Chaplin conhecem um sucesso sem precedentes. “A Woman of Paris” (Opinião Pública), único filme realizado por Chaplin e não interpretado por si, “A Quimera do Ouro” e “O Circo” marcam os últimos anos do mudo. Em 1927, com o advento do sonoro, Chaplin sofre um rude golpe. Procura manter-se fiel aos processos do mudo, começando a rodar “Luzes da Cidade” como tal. Interrompe, porém, as filmagens para experimentar o sonoro. Mas, em 1935, oito anos depois do aparecimento do sonoro, volta a rodar um filme inteiramente mudo: “Tempos Modernos”.
Em 1933, torna a casar, pela terceira vez, desta feita com Paulette Goddard, de quem virá igualmente a divorciar-se em 1942.
Estreado em 1936, “Tempos Modernos” custou milhão e meio de dólares, sendo recebido com frieza pela crítica americana, que acusa o filme de fazer propaganda comunista. É proibido em Itália e na Alemanha, mas tem um êxito extraordinário em Londres, Paris e Moscovo. Antes de iniciar a rodagem de “O Ditador”, Chaplin anuncia vários outros projectos que não chega a realizar: “Jesus”, “Hamlet”, “O Bravo Soldado Schweik”, “A Pequena Selvagem de Bali”...

8. PERSEGUIÇÕES NA AMÉRICA
Os problemas de Chaplin não desaparecem nos EUA. Instauram­-lhe diversos processos, quer por empresas que se consideram prejudicadas, quer por sociedades que acusam o autor de plágio, quer por novas paixões (como no caso de Joan Berry, que o põe em tribunal, sob a acusação de não reconhecimento de paternidade, de que Chaplin é ilibado). Com a entrada dos EUA na II Guerra Mundial, Charles Chaplin enquadra-se nessa luta. Compreendendo o papel desempenhado pela URSS no confronto contra o nazismo, aparece em diversos comícios e reuniões políticas de apoio à luta deste povo. O seu ódio a Hitler e ao nacional-socialismo leva-o a dirigir “O Ditador”, que lhe acarretaria mais dissabores. Em 1943, Chaplin conhece Oona O' Neill, filha do dramaturgo americano Eugene O' Neill, com quem casa a 16 de Junho: ele tem 56 anos e Oona 18. No ano seguinte, lança-se na concepção de “Monsieur Verdoux”, que se estreará em 1947. Com a estreia de “Verdoux”, Chaplin volta a enfrentar uma longa e intensa campanha hostil por parte da imprensa americana. A Comissão das Actividades Anti-americanas, presidida por Parnell Thomas, inicia igualmente um ataque sistemático a Chaplin, que culmina com a chamada do cineasta a depor, o que este recusa, enviando em seu lugar um telegrama: "Sou a favor da paz". Os "Dez de Hollywood" são nessa altura condenados a um ano de cadeia, por terem recusado comparecer perante esta comissão.
Em 1952, termina “Luzes da Ribalta”, onde trabalha ao lado de Buster Keaton, e embarca para a Europa. O ministro da justiça do presidente Truman e a Comissão das Actividades Anti-Americanas, do senador McCarthy, anunciam a instauração de um processo a Chaplin. Acusam-no de simpatias comunistas e querem que deponha perante a Comissão, o que recusa. Chega dias depois a Londres e é recebido entusiasticamente. Passa depois por Paris e Roma. A Europa rende-se a Charlot. Em 1953, Chaplin instala-se na Suíça e desiste de voltar à América. Passa a viver num solar, em Corsier­-sur-Vevey, perto de Lausana. A decisão de renunciar a viver nos EUA anuncia-a nas seguintes palavras: "Desde o fim da Segunda Guerra Mundial fui objecto de uma campanha de mentiras e de propaganda hostil levada a efeito por poderosos grupos reaccionários. Com a ajuda da imprensa de escândalos, criaram uma atmosfera incómoda, na qual as pessoas de espírito liberal podem ser perseguidas. Nestas condições, achei que me era impossível continuar nos Estados Unidos o meu trabalho cinematográfico".
Na Europa dirige ainda “A King in New York” (1957), só estreado nos EUA 20 anos depois, e “A Countess from Hong Kong” (1967). Recupera filmes antigos, renova as partituras musicais de alguns, pensa ainda lançar-se num novo empreendimento, "The Freak", a ser interpretado pela irmã, Victoria Chaplin, mas acaba por dar por terminada a sua carreira. Em 1975, é armado cavaleiro pela Rainha e, dois anos depois, em plena noite de Natal, a 25 de Dezembro, more durante o sono.

9. LONGAS-METRAGENS DO PERÍODO “UNITED ARTISTS”
1823: A Woman of Paris: A Drama of Fate (A Opinião Pública)
1925: The Gold Rush (A Quimera do Ouro)
1926: Camille ou The Fate of a Coquette, de Ralph Barton (CC não creditado)
1928: The Circus (O Circo)
1931: City Lights (Luzes da Cidade)
1936: Modern Times (Tempos Modernos) 
1940: The Great Dictator (O Grande Ditador)
1947: Monsieur Verdoux (O Barba Azul)
1952: Limelight (Luzes da Ribalta)
1957: A King in New York (Um Rei em Nova Iorque)

1967: A Countess from Hong Kong (A Condessa de Hong Kong) 

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